segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Clima: Mudança de papel

Por ser um dos países que mais pode sofrer as consequências do aquecimento global - que coloca em risco a Floresta Amazônica, entre outros pontos -, o Brasil deveria assumir um papel de liderança nas negociações climáticas internacionais e o compromisso de diminuir suas emissões de gases de efeito estufa antes de outros países entrarem em acordo.

A afirmação foi feita por Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), durante a conferência internacional Getting Post 2010 - Biodiversity Targets Right, realizada pelo Programa Biota-Fapesp, Academia Brasileira de Ciências (ABC) e SBPC em Bragança Paulista (SP). A reunião, que terminou no dia 15 de dezembro, marcou o encerramento do Ano Internacional da Biodiversidade.

De acordo com Fearnside, apesar de ter anunciado no início de dezembro, durante a 16ª Conferência Climática das Nações Unidas (COP-16), no México, o plano de cortar entre 36% a 39% as emissões de gases estufa até 2020, o Brasil ainda não tem uma meta clara nesse sentido e com valor legal.

"O que o Brasil apresentou na COP-16 foi um objetivo que pretende atingir até 2020 e que pode mudar ao longo desses anos caso seja difícil atingi-lo. É diferente de uma meta estabelecida em uma Convenção Climática Internacional, que não pode ser revogada", disse à Agência Fapesp.

Segundo o cientista, o Brasil também foi um dos últimos países a endossar o artigo 2 da Convenção do Clima, assinada em 1992 na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), que estabeleceu o objetivo de evitar que os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera atingissem níveis perigosos para o funcionamento do sistema climático global.

Na COP-15, realizada em 2009 em Copenhagen, na Dinamarca, foi somente depois que mais de cem outros países assinarem uma declaração reconhecendo que a temperatura média do planeta não poderia subir mais do que 2º C até o fim deste século sem incorrer em consequências drásticas para o planeta que o Brasil também endossou o documento, apontou Fearnside.

"O Brasil esteve longe de ser o líder nessa negociação sobre o que seria uma mudança climática perigosa", disse o vencedor do Prêmio Fundação Conrado Wessel em Ciência Aplicada ao Meio Ambiente em 2004 e que em 2006 foi identificado pela Thomson-ISI como o segundo cientista mais citado no mundo sobre aquecimento global.

Ainda menos emissões

De acordo com Fearnside, apesar de a COP-15 ter representado um avanço na definição do que representaria uma mudança climática perigosa, ainda não foi decidido quanto equivaleria em termos de concentração de gás carbônico e de outros gases de efeito estufa na atmosfera o aumento de até 2º C na temperatura média do planeta.

Um dos números mais propalados é o de 4.150 partes por milhão de volume de emissão de carbono. Mas, segundo Fearnside, esse número representa apenas 50% da probabilidade de se conseguir manter o aumento da temperatura média do planeta no limite de 2º C, que também é a faixa de resistência às mudanças climáticas da Floresta Amazônica.

"É muito importante que o Brasil, sendo um dos países que mais pode perder com o aquecimento global, jogue seu peso nessa discussão para que esse número caia para 400 partes por milhão ou menos. O país ainda não se posicionou em relação a esse problema e não pode aceitar o risco de que esse limite seja ultrapassado, ou colocará em risco a existência da Floresta Amazônica", afirmou.

Segundo Fearnside, atualmente a concentração de gases de efeito estufa na Amazônia é de 389 partes por milhão. Mas, nos últimos anos, esse índice vem aumentando e, combinado com o aumento da emissão de aerossóis (partículas em suspensão na atmosfera), está provocando a diminuição de chuvas na região.

O resultado desse fenômeno, segundo Fearnside, são secas extremas como as que ocorreram na parte sul da Amazônia em 2005 e em 2010, e o aumento do risco de incêndios na floresta.

"Esse cenário tende a ser muito pior no futuro e em poucas décadas. Se a concentração de gás carbônico e de outros gases de efeito estufa ultrapassar 400 partes por milhão, maiores serão as possibilidades de ocorrer outras secas extremas na Amazônia nos próximos anos", disse.

Mais informações sobre a conferência Getting Post 2010 - Biodiversity Targets Right: www.biota2010-targets.com.br (Elton Alisson)

Fonte: Agência Fapesp

Foco da próxima gestão será valorização do professor, afirma Haddad


Para ministro, "marca" da sua gestão no MEC 
foi o estabelecimentos de metas de qualidade

Logo após ser confirmado na equipe de governo da presidenta eleita Dilma Rousseff, o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que o foco da próxima gestão será na valorização do professor.

"O Brasil precisa resgatar essa dívida com o magistério brasileiro, colocar o professor e a professora no centro das atenções para que continuemos esse ciclo virtuoso de cumprimento das metas de qualidade", disse em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

Haddad está no comando do Ministério da Educação (MEC) desde 2005, quando substituiu Tarso Genro. Formado em direito, com mestrado em economia e doutorado em filosofia, é professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP).

O ministro avaliou que a "marca" da sua gestão no MEC foi o estabelecimentos de metas de qualidade, a partir da criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O indicador funciona como termômetro da qualidade do ensino e atribui uma nota a cada escola.

"A questão do aprendizado está enraizada na escola, todo diretor agora sabe o que é Ideb. A sociedade entende que a escola é um lugar em que se garante um direito fundamental, que é o de aprender. Esse retorno às boas práticas pedagógicas é algo que vai repercutir na história da educação. Daqui a 20 anos, vamos lembrar desse período pelo compromisso que nós resgatamos com a qualidade", disse Fernando Haddad. (Amanda Cieglinski)

Fonte: Agência Brasil

Em discussão, o modelo de desenvolvimento


A defesa da tese de doutorado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) na Unicamp, sexta-feira (17/12), tornou-se um debate sobre os oito anos do governo Lula, com a discussão sobre a existência de um novo modelo para o país - o novo desenvolvimentismo - e a respeito de temas como os perigos do câmbio valorizado para a indústria.

Na banca, estiveram os ex-ministros Antonio Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira e os professores João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp e da Facamp, e Ricardo Abramovay, da USP.

Mercadante fez da apresentação da tese uma defesa enfática da administração petista. Com tintas políticas, propôs a ideia de que o governo construiu as bases de um novo modelo, em que "o social é o grande centro das políticas de desenvolvimento", com mudança no papel do Estado e uma "articulação do desenvolvimento com o meio ambiente, a educação, a ciência e a tecnologia, os grandes desafios para o futuro". Com ironia, Delfim disse ter gostado do "discurso" de Mercadante, brincando que o petista continuava "afiadíssimo" na defesa do governo.

No novo desenvolvimentismo, "o social é o eixo estruturante do econômico", uma característica que o difere do nacional-desenvolvimentismo do passado e do neoliberalismo do período recente, disse Mercadante, escolhido para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia do novo governo.

Segundo ele, o Bolsa Família, os aumentos do salário mínimo, o crédito consignado e a alta dos recursos para a agricultura familiar são algumas das medidas que reduziram a pobreza e diminuíram a desigualdade, além de ajudar a criar um mercado interno de consumo de massas. O crescimento foi mais elevado, com inclusão social.

Um papel mais forte do Estado é outra marca do novo desenvolvimentismo, disse Mercadante, enfatizando a importância do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um sinal nessa direção, ao coordenar e planejar investimentos no país.

Mercadante também lembrou a reação do governo à crise global, quando a atuação firme dos bancos públicos impediu um tombo mais forte da economia, assim como a aceleração de investimentos pela Petrobras. Houve uma política anticíclica num momento em que boa parte do setor privado colocou o pé no freio, afirmou ele, que voltou à Unicamp para defender a tese, intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo: Análise do Governo Lula" depois de uma ausência de 12 anos.

Pioneiro no uso do termo novo desenvolvimentismo, Bresser discutiu até que ponto o governo Lula seguiu as diretrizes do modelo. Segundo ele, o novo desenvolvimentismo prega responsabilidade fiscal, e "houve responsabilidade fiscal no governo Lula". Juros baixos fazem parte do receituário novo-desenvolvimentista, e a gestão petista, ainda que termine com taxas elevadas, promoveu queda expressiva dos juros reais, de 10% para 5%. "Houve um progresso nessa área." Segundo Bresser, Lula deu papel mais estratégico ao Estado, além de ter contribuído para neutralizar a tendência de os salários crescerem abaixo da produtividade.

Bresser apontou duas áreas caras ao novo desenvolvimentismo, porém, em que o governo Lula falhou: a gestão pública e o câmbio, que se valorizou excessivamente. "Houve recentemente um esforço para mudar esse quadro. Guido Mantega [ministro da Fazenda] teve enorme coragem quando, há um ano, colocou o IOF sobre as entradas de capital, arriscando o seu cargo."

Apontando exageros na avaliação de Mercadante sobre o governo Lula, Delfim disse não ver um novo modelo, mas sim o aprofundamento do "que precisava ser aprofundado" e já estava inscrito na Constituição de 1988, que propõe, de acordo com ele, a "construção de uma sociedade democrática, com o objetivo fundamental da construção de igualdade de oportunidades". Apesar da ressalva, afirmou considerar a gestão de Lula um ponto de inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade. "Isso já estava implícito na Constituição. Devia ter começado muito antes, mas só começou com ele."

Cardoso de Mello elogiou Mercadante e disse não ver problemas no fato de a tese ser um "trabalho de combate": "Esta casa tem tradição nisso". Fez, contudo, algumas observações, de um "leitor atento e simpático". "Primeiro, há quantos governos Lula? Um ou dois?", questionou. "É lícito fazer uma análise do conjunto do período ou seria necessário modular e até mostrar por que a inflexão no segundo governo foi possível?"

Outro ponto importante seria analisar o que "se deveu à 'virtù' e o que se deveu à 'fortuna'" no governo Lula, segundo ele. A ascensão da China, por exemplo, deslocou "a curva de demanda por produtos primários", o que teve repercussão enorme na economia global e tornou o panorama internacional favorável ao Brasil", afirmou Cardoso de Mello. "Lula mesmo diz: 'Eu tive uma sorte danada'. Ele sabe disso, o que não tira os seus méritos, porque soube aproveitar a sorte. "

Cardoso de Mello também disse que valeria a pena Mercadante "olhar para frente". Você, como aluno desta casa, sabe que [Fernand] Braudel diz que existem a longa duração, as conjunturas, que são de 50 anos, e os acontecimentos. Por enquanto, o governo Lula é um acontecimento, embora seja acontecimento importante, porque houve uma ruptura com o governo Fernando Henrique."

Delfim e Cardoso de Mello advertiram para os perigos do câmbio valorizado e de seu impacto sobre a indústria. "Dentro de 20 a 25 anos, teremos 220 milhões a 230 milhões de habitantes e será necessário dar emprego de boa qualidade para 150 milhões de pessoas, e não vamos fazer isso apenas exportando matérias-primas ou produtos agrícolas", disse Delfim.

Cardoso de Mello insistiu no papel-chave da indústria. "Nós vamos jogar o futuro da economia na capacidade que tivermos de renovar a indústria brasileira", afirmou. "Sem indústria, não tem emprego." Segundo ele, a "agricultura não tem emprego e o setor de serviços só tem empregos derivados da indústria, ou são serviços públicos."

Para Cardoso de Mello, é crucial evitar a apreciação exagerada do câmbio. "Não podemos ter um câmbio sobrevalorizado como esse de R$ 1,70, pelo qual uma bola de futebol entra no Brasil a US$ 2,95 - e dessas oficiais, não de borracha, de criança." Ele disse que o país não pode mais cometer "barbeiragens" no manejo dos juros, como a ocorrida em 2004, que abortou o crescimento daquele ano e derrubou o do ano seguinte.

Mercadante reconheceu o problema do câmbio valorizado, para ele o maior desafio de curto prazo do país. Disse, porém, não acreditar que haja um processo de desindustrialização, dada a robustez do mercado interno, embora tenha manifestado preocupação quanto ao "rebaixamento da pauta de exportações". (Sergio Lamucci)


Fonte: Valor Econômico

"Ciência no setor privado ainda frustra", entrevista com Carlos Henrique de Brito Cruz


A ciência brasileira avançou nos últimos anos, mas ainda enfrenta problemas sérios como a participação inexpressiva do setor privado e a falta de articulação entre as esferas estadual e federal. O diagnóstico foi feito por Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em entrevista ao jornal "O Estado de SP".

A Unesco, órgão das Nações Unidas para a cultura e educação, divulgou há algumas semanas um relatório sobre o panorama da ciência no mundo. Brito Cruz é um dos autores do quinto capítulo, dedicado ao Brasil.

Leia a entrevista:

- Qual é sua opinião sobre a política científica no país?

O relatório da Unesco aponta avanços importantes. Houve um aumento de 28% no gasto interno bruto em pesquisa e desenvolvimento entre 2000 e 2008. Com isso, o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) cresceu e, desta forma, puderam atuar fortemente não só no financiamento, mas também na implementação de uma política de ciência e tecnologia no país. Talvez o exemplo mais concreto desta política seja a criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) que estabeleceu 122 redes de pesquisa que terão um efeito importante no desenvolvimento da pesquisa brasileira. A Fapesp valoriza esse programa e, por isso, tornou-se o segundo financiador, atrás apenas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O terceiro financiador é o CNPq. Em resumo, há desafios para serem vencidos, alguns cada vez mais sérios. Por outro lado, houve progressos.

- Quais os principais desafios para a ciência no Brasil?

Há três principais: intensificar as atividades de pesquisa e desenvolvimento nas empresas, disseminar a atividade de pesquisa acadêmica - hoje, muito concentrada no Sudeste - e criar no Brasil instituições acadêmicas muito competitivas internacionalmente, que sejam ranqueadas entre as cem melhores do mundo.

- No Brasil, cerca de 55% dos financiamentos para pesquisa vêm do setor público. Qual é o impacto para o país?

O impacto do investimento público nas últimas décadas foi razoavelmente efetivo. Graças a ele, criou-se um sistema competitivo de pesquisa acadêmica no Brasil. Especialmente quando comparado aos sistemas de países semelhantes e em indicadores de desempenho como artigos científicos publicados em revistas internacionais, número de doutores formados e prestígio internacional de algumas instituições, como USP, Unicamp, Unesp, UFMG... Muitos países não conseguiram fazer o mesmo. Ou seja, o desenvolvimento científico foi expressivo. Já o tecnológico, deixou muito a desejar. Nossa efetividade na criação de um sistema empresarial de pesquisa tem sido frustrante. Parte do esforço depende, de fato, do investimento público: para criar iniciativas como o Programa de Subvenção Econômica à Inovação - da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) -, para apoiar pesquisa colaborativa entre empresa e universidade, para dar bolsas ao pesquisador da indústria que deseja estudar na universidade... Mas, frequentemente, outros elementos da vida econômica do país são mais decisivos como, por exemplo, o incentivo às empresas para exportar - expondo-as à competição internacional -, a estabilidade do sistema econômico nacional - alcançada só em 1994 - e a existência de um sistema eficaz de proteção da propriedade intelectual - que só entrou na pauta em 1997. Ou seja, não depende só do dinheiro aplicado. O valor do dólar, por exemplo, desestimula a inserção das empresas no mercado mundial. A taxa de juros ainda é uma das mais altas do mundo e encarece o custo de investimento em pesquisa para uma empresa. Por fim, a situação econômica dos últimos 50 anos fez com que as empresas não criassem a cultura de valorizar a inovação. Mesmo aquelas que têm atividade de pesquisa, tendem a realizar esforços incrementais, pouco ousados. Ou seja, não basta o governo federal ou estadual oferecer mais subsídios para as empresas. O lado bom é que desde os anos 2000 há uma percepção crescente das lideranças empresariais de que as empresas precisam intensificar suas atividades para criar tecnologia. Há, por exemplo, uma iniciativa interessante chamada Movimento Empresarial pela Inovação. Mas tem demorado muito para a gente descobrir como organizar este sistema.

- Por que é importante o protagonismo da iniciativa privada nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento?

Há três grandes funções que constituem um sistema nacional de ciência: formação de recursos humanos - nas universidades e na pós-graduação -, pesquisa básica - que lança os fundamentos e também serve para treinar estudantes - e pesquisa aplicada - aquela que produz inovação tecnológica para empresas, governo e sociedade. O investimento público costuma estar associado à formação de recursos humanos e à pesquisa básica, as duas funções em que o setor privado não consegue se apropriar dos resultados: as pessoas, depois de formadas, trabalham onde querem e as descobertas de ciência básica normalmente são de domínio público. Por isso, o setor privado investe primordialmente na terceira função. Uma inovação tecnológica pode ser patenteada. O equilíbrio do investimento público e privado é importante para garantir que o sistema funcione.

- O governo federal prometeu elevar o investimento em pesquisa e desenvolvimento para 1,5% do PIB até o fim do ano. Não deve conseguir. Por que é tão difícil?

Esse dispêndio é composto de uma parte pública e outra privada. A parte pública cresceu nos últimos anos. Agora, a parte privada precisa crescer. Para os investimentos em pesquisa chegarem a 1,5% do PIB, a participação das empresas deve chegar a 0,8%. Atualmente é de apenas 0,45%. As empresas começam a perceber que precisam investir com mais intensidade em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, seria conveniente que tanto o governo quanto a comunidade científica dessem mais valor à eficiência do investimento com relação aos resultados obtidos. Quando o assunto é pesquisa, todo mundo fala que é preciso elevar o dispêndio para 1,5% do PIB. Mas com o dispêndio, é preciso elevar também a eficiência e a efetividade do gasto, algo com implicações institucionais importantes: melhorar o sistema de importações, de compra e manutenção de equipamentos e de valorização por mérito dos profissionais. A instituição universitária deve criar condições para que o pesquisador não gaste tempo e dinheiro gerindo projetos, mas fazendo ciência. Ele deve ter o apoio institucional que seu colega recebe em Stanford, Berkeley ou Cambridge. Também é preciso criar condições para as empresas investirem em temas mais ousados e de impacto mundial. Ou seja, não basta investir mais dinheiro.

- Por que o Brasil não avança no número de patentes internacionais?

É algo diretamente relacionado à falta de avanço nas pesquisas dentro das empresas. As universidades também patenteiam descobertas. Mas, em economias razoavelmente saudáveis, a maior parte das patentes são feitas pela indústria (cerca de 95%), enquanto a maior parte dos artigos científicos são publicados pela universidade (novamente, 95%). Nossa fraqueza nas patentes internacionais vem da limitação do esforço empresarial em pesquisa, além da pouca ousadia. Em geral, são pesquisas incrementais e com pouco impacto mundial. No relatório, comparamos quantas patentes são obtidas por cada grupo de mil pesquisadores no Brasil, na Coreia, na Espanha e em outros países. No Brasil, é 1,8. Na Espanha, 7. Na Coreia do Sul, 45. Por que mil coreanos criam ideias mais importantes do que mil brasileiros? Nossas empresas não apresentam desafios aos seus pesquisadores. Eles gastam tempo com pequenas melhoras. E, desta forma, as indústrias coreanas ganham o mundo e nós, não. Quando você compra uma TV de plasma, ela não é brasileira. Algum coreano há vinte anos fez pesquisa sobre aquela tela, sobre a eficiência do aparelho... Muito da pesquisa não deu certo e se perdeu pelo caminho. É parte do esforço. Só encontramos na loja o que deu certo. Sem dúvida, quanto mais ousada é a pesquisa, maior é o risco. Quando escrevi o relatório, um dado chamou muito minha atenção. O número de patentes brasileiras registradas nos Estados Unidos está estagnado desde 2003. Em 2004, registramos 106 patentes. A China registrou 404. Em 2009, nosso número diminuiu para 103. O número da China saltou para 1.655. A Índia também subiu bastante no período. Creio que o problema é a falta de pesquisa nas indústrias e a falta de ousadia.

- Em Brasília, você disse que o país realiza "um voo cego". Por quê?

Há poucas estatísticas sobre pesquisa e desenvolvimento científico no país. Ao lançar a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), em 2003, e a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em 2008, o governo disse que queria aumentar o esforço de pesquisa das empresas. Se é um objetivo da política científica nacional, você deve medir a cada seis meses para saber se a política está funcionando. Mas os primeiros números só surgiram em 2010, referentes a 2008, e ainda apontando uma diminuição no número de pesquisadores na iniciativa privada. Precisamos acompanhar de forma mais próxima. Não há indicadores ou eles demoram para ser atualizados. Em outros países, os gestores sabem quantas empresas foram criadas no último semestre. Se você demora três ou quatro anos para ter esse dado, a efetividade do sistema cai muito.

- As patentes nas universidades estão crescendo. Mas o relatório aponta que mais dinheiro é gasto registrando a patente do que o obtido com seu licenciamento.

Sim, mas é natural. Menos de dez universidades no mundo conseguem compensar o gasto de registro de patentes com o dinheiro ganho no seu licenciamento. E, mesmo nessas instituições, se você considerar o gasto na pesquisa que produziu a inovação, desaparece qualquer ganho com licenciamento. Em universidades americanas, o normal é gastar US$ 400 milhões em pesquisa por ano e receber US$ 6 milhões de licenciamento. O custo de pesquisa em universidades do porte da Unicamp e da USP pode girar em torno de R$ 400 milhões a R$ 1 bilhão por ano. Um escritório de patentes precisa de R$ 10 milhões por ano. No relatório, afirmamos que, no Brasil, não conseguimos cobrir esse custo de R$ 10 milhões com os dividendos do licenciamento. Contudo, queríamos sublinhar que o valor de um escritório de patentes dentro da universidade não está em gerar mais dinheiro do que despesas. Assim como o valor de formar estudantes não está em ganhar mais dinheiro do que o investido na sua formação. A patente licenciada aumenta a capacidade da universidade difundir conhecimento, sua principal missão. Pois, desta forma, alguém pode se interessar por converter aquele conhecimento em atividade comercial e torná-lo útil para a sociedade. A patente dá segurança ao empreendedor de que ele vai ter retorno se apostar na ideia criada na universidade.

- Como preencher o abismo entre academia e indústria? Para a indústria, a academia está longe da realidade. Para a academia, a indústria quer o produto pronto.

As percepções são as mesmas nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra... Academia e empresa são dois mundos diferentes. No Brasil, creio até que há uma aproximação muito rápida e efetiva do mundo acadêmico com o mundo industrial na pesquisa. Entretanto, precisamos recordar que há objetivos distintos. O objetivo da universidade é educar os estudantes, fazer avançar e difundir o conhecimento humano. O objetivo da empresa é crescer, obter mais lucro, criar empregos e, com isso, beneficiar a sociedade. São mundos diferentes e os dois são necessários para a sociedade. Se você considerar universidades brasileiras de prestígio - como USP e Unicamp -, o porcentual do dispêndio em pesquisa financiado por empresas é comparável ao de boas universidades americanas. Em Columbia, deve ser 3%. Em Berkeley, talvez 7%. Na Unicamp, é 5,5%. Não é um porcentual pequeno. Mas como, no Brasil, poucas empresas fazem pesquisa e poucas universidades fazem ciência competitiva, há poucos casos de parceria. Já nos EUA e na Inglaterra, há um monte de parcerias acontecendo. Além disso, uma restrição importante para a interação entre os dois mundos é a falta de pesquisadores nas empresas: não há interlocutores para os cientistas das universidades.

- O Brasil tem 1,33 pesquisador por mil habitantes. Menos que China, Argentina e Espanha.

Essa proporção vem crescendo nos últimos vinte anos. Na academia, duplicou o número de pesquisadores de 1995 a 2008. Sem dúvida, o Brasil precisa de mais institutos de pesquisa acadêmica, boas universidades. Mas isso já está acontecendo: as universidades estão se qualificando e novas instituições são criadas. Contudo, no mundo empresarial, mais uma vez, é um pouco frustrante. Estima-se que, em 2005, havia 50 mil cientistas nas empresas. Em 2008, eram 45 mil. É intrigante que, em um período em que surgiram tantos instrumentos para aumentar a pesquisa privada, o número de pesquisadores diminuiu. Tenho duas hipóteses para explicar esta queda. A primeira é que ainda não deu tempo das estratégias governamentais - como a subvenção econômica para a inovação - fazerem efeito. A segunda é que, nos últimos cinco anos, o país tem enfrentado um verdadeiro apagão de mão de obra. Quando aumentou o ritmo do desenvolvimento econômico, começou a faltar gente para qualquer atividade que você queira realizar: também pesquisa e desenvolvimento. Mas são só hipóteses. A primeira hipótese explica uma estabilização no número de vagas para pesquisa nas empresas. A segunda pode ajudar a entender a queda. Convém lembrar que o número de doutores formados crescia 14% por ano até 2004. A partir de 2004, o porcentual caiu para 5%. Ou seja, continua crescendo, mas diminuiu o ritmo.

- Não corremos o risco de formar um contingente de pesquisadores que depois ficará desempregado?

Não. Quando dizemos que há 1,33 pesquisador em cada grupo de mil brasileiros, consideramos apenas pesquisadores empregados. Não diletantes. No relatório, afirmamos que é necessário aumentar o número de pesquisadores empregados. Não é formar um monte de gente que vai sobrar. Naturalmente, como em qualquer país, precisamos formar um número maior de pessoas do que as vagas de trabalho disponíveis, pois a conta não é exata. Se eu quero cem pesquisadores, vou formar mil, porque destes, cem vão realmente decidir trabalhar com pesquisa. Os outros 900 vão fazer outras coisas porque não se adaptam ou perdem o interesse. O sistema deve ter uma folga. Não dá para adotar um sistema soviético com planejamento quinquenal... as pessoas escolhem o que vão fazer.

- Como você avalia o sistema educacional brasileiro?

Você vê algo intrigante quando analisa o gráfico do número de concluintes do ensino superior nas universidades federais brasileiras nos últimos anos. O número vinha subindo até 2003 e depois parou. Em 2008, as universidades federais formaram menos gente que em 2004. Não sei como explicar isso. Foram criadas várias universidades, o investimento e o salário aumentaram, tudo foi feito... E, no entanto, do ponto de vista do resultado para o contribuinte, menos gente se formou. E isso tem impacto na etapa seguinte, pois quem costuma ingressar na pós-graduação normalmente passou por uma universidade federal, uma estadual paulista ou outras cinco instituições no país. Embora o número de formados nas estaduais paulistas esteja crescendo - até mais rápido a partir de 2000 -, a queda do ritmo nas federais pode ter causado a diminuição do ritmo da formação de doutores. Além disso, em outros países, basta apostar na graduação e na pós-graduação. No Brasil, não é suficiente. Há tantas restrições nos níveis anteriores que, se você criar muitas universidades, não vai conseguir preencher as vagas porque as pessoas não terminam o ensino médio sabendo o necessário para ingressar no ensino superior. O problema da formação de recursos humanos no Brasil é maior do que em muitos outros países.

- Segundo o relatório da Unesco, a participação dos investimentos estaduais em pesquisa e desenvolvimento é expressiva: cerca de um terço. Como você vê a articulação entre as esferas estadual e federal?

Há algum progresso. Certos programas são cofinanciados por entes estaduais e federais. Aqui na Fapesp, por exemplo, realizamos vários cofinanciamentos com o CNPq e a Finep. Mas, levando-se em conta o tamanho do esforço estadual, o governo federal deveria levar mais em conta os objetivos dos estados e suas características específicas. A colaboração não é só o governo federal perguntar quem quer participar no seu programa de institutos nacionais. Há atividades que um estado quer fazer e outro não - como criar um centro de pesquisa sobre um determinado tema ou organizar um evento internacional específico. A participação dos estados no estabelecimento de estratégias é muito menor que a participação financeira. Precisamos conversar, valorizar as ideias dos estados, sem anular as ideias de Brasília. Pois é ruim uma colaboração em que um entra com a ideia e os outros só pagam. Vale lembrar que, embora os estados contribuam com 35% do investimento total, há uma grande diferença na participação de cada unidade federativa. Em Minas, São Paulo e Rio, o investimento estadual é muito maior que 35%.

- Mas os entes estaduais decidem para onde vai seu próprio recurso, não?

Sim. Mas não houve até agora muitas oportunidades para os entes estaduais criarem proposições pelas quais Brasília se interesse. Brasília tende a se interessar pelos seus próprios projetos. Em São Paulo, por exemplo, propusemos ao Ministério de Ciência e Tecnologia a instalação de um centro de pesquisa sobre bioenergia. Discutimos a proposta durante quase dois anos. O ministério não aceitou e construiu um centro de bioenergia sozinho. Agora teremos dois centros fazendo a mesma coisa: um programa grande da Fapesp e outro do ministério. Mas para fazer um super-computador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) eles estavam dispostos a trabalhar juntos. Não sei bem o que governa esse tipo de decisão lá em Brasília. A última vez que fui para lá recebi um livrinho que elenca os principais resultados do plano de ação do ministério. O texto inicial atribui o sucesso a "uma forte articulação do governo federal com estados e municípios". Você lê o livrinho inteiro e não há nenhuma ação de estados e municípios. Ou melhor, há uma menção: quando se afirma que foram criados 122 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. O texto diz que o programa recebeu recursos de R$ 609 milhões, fruto de uma parceria com "Ministério da Educação (MEC), Ministério da Saúde, Petrobrás, BNDES e fundações estaduais de fomento à pesquisa". No entanto, o MEC colocou apenas R$ 1 milhão no programa. A Fapesp colocou R$ 103 milhões, mas o nome da instituição paulista não aparece ali, apesar de ser a segunda maior financiadora, atrás apenas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que contribuiu com R$ 190 milhões. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) é o quarto maior financiador. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) é o quinto. Também não aparecem. É uma colaboração com os estados que não reconhece o parceiro, apesar de, no contrato assinado, existir uma cláusula que diz: em qualquer ação promocional, deverá ser feita menção expressa à Fapesp. A Fapesp não é "fundações de amparo dos estados". A Fapesp é a Fapesp. Queremos colaborar, mas queremos também que os estados sejam tratados como atores relevantes.

- Por que é tão importante disseminar a pesquisa acadêmica, hoje concentrada no Sudeste?

Porque ao distribuir melhor as atividades de pesquisa e desenvolvimento, você cria as condições para que mais brasileiros se envolvam e é melhor contar com um exército de 190 milhões do que com 80 milhões. Há muita gente capaz no Acre, no Amazonas, em Roraima, em Pernambuco... é bom que cresça a atividade de pesquisa lá. O desafio é dosar: precisamos diminuir a concentração das vagas no Sudeste, incluindo mais gente, e, ao mesmo tempo, construir centros de excelência que se destaquem internacionalmente. Também nos países desenvolvidos há muita concentração da atividade científica. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 25% do dinheiro para pesquisa é gasto na Califórnia. E é um país completamente homogêneo. Qualquer cidade americana se parece com qualquer outra. Precisamos disseminar, mas sempre haverá algum grau de concentração que reflete a concentração de outras realidades: acesso à escola, renda... Não basta fazer três universidades em uma região. Se as pessoas não tiverem renda, ensino fundamental e médio, não adianta. Disseminar a atividade científica é só uma das ações para diminuir a concentração da pesquisa acadêmica. São necessárias outras. A experiência internacional mostra que vale a pena incentivar o esforço local. A diminuição da concentração não depende só de Brasília. O Estado também deve assumir compromissos, financiar decentemente fundações de amparo à pesquisa, criar universidades estaduais etc. O número de estudantes nas universidades estaduais no país é quase igual ao das universidades federais: é um esforço muito importante. Mais uma vez, voltamos à questão anterior: precisamos articular melhor as esferas estadual e federal, reconhecendo as diferenças, sem tornar tudo homogêneo.

- O que você acha dos critérios para julgar o mérito dos pesquisadores na academia?

Nas melhores universidades brasileiras, são comparáveis aos usados em universidades de outros lugares do mundo. Mas talvez seja conveniente usar critérios mais conceituais e menos quantitativos. O Brasil fez um progresso nos últimos 40 e 50 anos ao incorporar na avaliação dados objetivos como número de artigos publicados e de citações. Quando ignorava esses indicadores era ruim. Mas não dá para substituir a avaliação qualitativa. Alguém precisa ler o artigo e formar uma opinião sobre o valor da pesquisa realizada. E isso falta. Agregar procedimentos que avaliem a qualidade - e não só a quantidade - aumentará a crítica e o debate entre avaliadores e avaliados na academia, o que é bom. A busca de uma objetividade baseada só em indicadores não contribui para o progresso da ciência. Não podemos ficar só com os indicadores quantitativos.

- O relatório afirma que há uma certa tendência de julgar a ciência em termos utilitários...

Ao mesmo tempo que você precisa ter pesquisa ligada a aplicações, também é preciso existir pesquisa sem aplicações imediatas. Ou seja, há muita pesquisa no Brasil que não se justifica por fazer alguma empresa mais rica, mais competitiva. Servem para tornar as pessoas sábias. E o Brasil precisa de gente sábia para dialogar com o mundo. Necessitamos de pesquisa básica e pesquisa sobre temas como literatura brasileira, filosofia, raios cósmicos, origem do universo... faz parte do esforço para tornar a humanidade mais humana. O objetivo do investimento público em pesquisa não é só tornar a indústria mais competitiva, mas também tornar os brasileiros mais sábios. O utilitarismo parece ser a tendência predominante no momento. Por isso, precisamos insistir no fim desse investimento. O impacto utilitário da ciência é mais visível, pois conseguimos mensurar que a doença foi curada, que o equipamento funcionou... mas é difícil verificar se as pessoas ficaram mais sábias, embora seja tão ou mais importante que o impacto utilitário. Precisamos equilibrar o esforço de pesquisa nas duas frentes. Também porque precisamos formar estudantes que sejam capazes de refletir, participar de debates e diálogos. A tendência do sistema voltar-se para o utilitarismo é enorme.

- O relatório também afirma que diminuiu a colaboração de brasileiros com pesquisadores internacionais. Por quê?

Não apresentamos nenhuma hipótese para explicar no relatório. Mas acredito que a pós-graduação no Brasil desenvolveu-se bastante. Então diminuiu o número de pessoas que são enviadas a outros países, o que restringiu a formação de contatos, redes e pontos de conexão com pesquisadores fora do país. (Alexandre Gonçalves)

Fonte: O Estado de SP