segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Projeto remunera proprietário que preserva floresta e nascente de água


Há 38 anos o policial militar Antonio Coradello comprou uma área de 16 hectares no meio da Área de Proteção Ambiental (APA) Bororé-Colônia, em Parelheiros, extremo sul da capital paulista. Chegou a plantar "um pouco de eucalipto", mas se arrependeu. "Eucalipto seca as minas d" água e não dá mais lucro nenhum." Mas hoje Coradello, aposentado, recebe em torno de R$ 3,5 mil por ano justamente para preservar as nascentes de sua propriedade: ele já contou três, mas acha que tem outras mais, no meio da Mata Atlântica.

Ele é um exemplo de gente que, nos limites da maior metrópole da América Latina, já ganha para preservar remanescentes de floresta e nascentes de água. O dono do Sítio do Sargento é um dos beneficiados pelo Projeto Oásis, pioneiro no pagamento por serviços ambientais na região metropolitana.

Na modalidade, agricultores e proprietários de terra são remunerados para manter as nascentes de água e, assim, garantir a produção e a qualidade da água dos mananciais - no caso, a bacia da Represa de Guarapiranga, que abastece mais de 4 milhões de pessoas na Grande São Paulo. Com início em 2006, o projeto cadastrou 13 propriedades na região, que estão ajudando a proteger 82 nascentes. Em cinco anos de projeto, os proprietários devem receber um total de R$ 790 mil em recursos.

"É dinheiro que vai diretamente para preservação, mostrando que já existe recompensa financeira para quem não desmata e não polui os cursos d"água", conta Carlos Krieck, diretor de áreas protegidas da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, responsável pela seleção das propriedades, que são monitoradas.

O Estado acompanhou um dia de monitoramento, onde as condições ambientais das áreas são avaliadas. Nas trilhas cerradas de Mata Atlântica, não foi difícil encontrar dezenas de pássaros, cobras e palmitais - biodiversidade vibrante, na metrópole.

Cada proprietário pode receber até R$ 370 por hectare/ano, mas o cálculo leva em conta o controle da erosão, a capacidade de produção e armazenamento de água e sua qualidade. O Sítio do Sargento, de Coradello, é uma das propriedades mais bem avaliadas: hoje o aposentado cultiva gramíneas e arbustos para decoração, mas 80% das terras estão preservadas.

"Não quero derrubar, não vale a pena. Mantenho essas terras para ter ar puro para respirar", diz o paulistano da Vila Carrão, que passa pelo menos metade da semana no sítio. Ele admite que suas terras ainda dão mais despesa do que lucros. Mas faz planos para ganhar ainda mais com a mata em pé. "Queria entrar nesse negócio de créditos de carbono", diz.

O perfil do produtor que conserva suas áreas é diversificado. Há desde pequenos sitiantes, propriedades maiores, destinadas quase que integralmente à conservação e até condomínios de lazer. É o caso da Associação Campestre de São Paulo, em uma área de 140 hectares - a metade do território é ocupada com remanescentes de Mata Atlântica. O condomínio, que fica a uma distância de 50 km do centro de São Paulo, restringiu o número de associados e incentiva que os proprietários façam o reflorestamento com espécies nativas.

A associação recebe ao ano em torno de R$ 20 mil pela preservação. Segundo o diretor de gestão da associação, Geraldino Ferreira Moreira, os recursos são investidos na manutenção e melhorias. "Isso incentiva os associados a manterem suas áreas intactas", conta. O condomínio até contratou seguranças para fazer a ronda na área: além de evitar assaltos, também inibe a ação de ladrões de palmito e caçadores.

No distrito de Marsilac, também na bacia da Guarapiranga, Angelina Helfstein, dona do Sítio Dourado, também nem pensa em mexer na mata que circunda sua produção agrícola. Ela produz hortaliças e está transformando sua produção em orgânica, para não contaminar as nascentes. "Eu nasci aqui. Meu pai já comprou a propriedade pensando em preservação", diz ela.

Dentro das duas APAs - Capivari-Monos e Bororé-Colônia - existem pelos menos 300 famílias de agricultores. Leila, que faz parte do conselho gestor da APA Capivari-Monos, acredita que em poucos anos a preservação será ainda mais rentável. A lei estadual de mudanças climáticas, regulamentada neste ano, prevê recursos para projetos de pagamento por serviços ambientais (leia mais abaixo). "Temos certeza de que está surgindo um novo mercado, que vai reconhecer o agricultor que preserva." (Andrea Vialli)

Fonte: O Estado de SP

Escolas federais são bons modelos, mas difíceis de replicar

Professores com pós-graduação e bem remunerados, infra-estrutura de ponta e, em alguns casos, seleção de alunos. Essa é a receita da rede federal de educação que tradicionalmente se destaca no País. No último índice conhecido em 2010, o destaque foi internacional. 

Os resultados dos colégios militares e institutos federais, que compõem o sistema federal, colocaram os estudantes destas escolas entre os melhores do mundo no Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa). Os desempenhos obtidos por eles foram superiores aos obtidos por França, Estados Unidos, Israel e Canadá e só ficaram atrás de Japão, Coréia, Cingapura, Finlândia, Hong Kong e Shangai.

O Ministério da Educação (MEC) fez questão de divulgar os resultados obtidos pela rede federal em separado para mostrar que o Brasil consegue oferecer ensino público de qualidade. Porém, os diferenciais deste grupo vão muito além das carências primárias da rede pública comum.

O primeiro ponto de divergência é o investimento. Enquanto o gasto médio com cada aluno desta etapa de ensino da rede pública de Estados e municípios foi de R$ 2.317 em 2009, a média de investimento por aluno nos institutos federais foi de R$ 7,2 mil no mesmo período. Nos colégios militares, o investimento foi bem maior: R$ 14 mil. Com mais recursos, essas escolas conseguem oferecer equipamentos, laboratórios, bibliotecas, computadores, aulas de dança e atividades esportivas. No caso dos institutos, formação técnica e profissional no turno contrário ao das aulas.

Professores muito bem pagos

Além disso, podem investir na formação de professores e pagar salários bem mais altos. A média de um docente da educação básica no País é de R$ 1,5 mil, segundo o MEC. Quem consegue entrar nos concorridos concursos públicos dos institutos federais começa a carreira ganhando R$ 4 mil. Um doutor chega a receber R$ 11,7 mil por mês. Os gestores da rede federal, por tudo isso, já esperavam os bons resultados.

O diretor do Instituto Federal de São Paulo, Carlos Alberto Vieira, explica que a instituição vai do ensino médio integrado ao técnico até a pós-graduação. "Os professores são contratados para o instituto e podem dar aula tanto aos adolescentes quanto no mestrado. São profissionais muito bons", explica.

Getúlio Marques Ferreira, secretário adjunto de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, foi aluno, professor e diretor de institutos federais. Ele reconhece que a valorização da carreira dos professores, que possuem planos bem definidos de crescimento e encontram boa estrutura de trabalho, é um ponto central para o sucesso das escolas federais. Mas defende que a preocupação com uma formação mais ampla é o grande diferencial da rede.

"A estrutura de laboratórios, biblioteca, quadras esportivas e de lazer permite que o aluno permaneça na escola os três turnos. A formação integral do indivíduo é o que nos orgulha. Nosso objetivo não é manter uma formação tecnicista", ressalta o secretário.

Para o Exército, esse também é um dos aspectos fundamentais para o sucesso dos colégios militares. Os estudantes têm inúmeras atividades disponíveis, como clubes de estudo, atividades de música, dança e esportivas.

Para poucos

Hoje, há 38 institutos federais funcionando no País, responsáveis por 354 unidades acadêmicas espalhadas em capitais e cidades do interior. Segundo Ferreira, eles são responsáveis pelo atendimento de 348 mil alunos. Até 2014, a expectativa é atender 500 mil jovens.

O sistema de colégios militares é composto por 12 instituições, que ficam nas cidades de Santa Maria (RS), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), Juiz de Fora (JF), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Recife (PE), Fortaleza (CE), Brasília (DF), Campo Grande (MS) e Manaus (AM). Juntos, eles atendem cerca de 14 mil alunos. O calendário e a proposta pedagógica é a mesma em todos eles.

Além de pouco numerosas, essas escolas não atendem qualquer aluno. No caso dos institutos federais, há prova de seleção para distribuir as vagas que chegam a ter concorrência de 70 inscritos por vaga. "Com certeza, o fato de pegarmos os melhores tem impacto, mas acredito que ele não é maior do que a estrutura oferecida pela escola", pondera Ferreira. Vieira concorda. "Nossos alunos da Educação de Jovens e Adultos entram sem seleção e também têm resultado diferenciado", alega.

Alunos dizem que fazem a diferença

Os alunos pensam diferente. Para a maioria, o diferencial é a seleção, tanto de professores, quanto deles mesmos. "Aqui todo mundo tem um grande interesse em aprender", comenta Laerte Vidal Júnior, de 17 anos, que estudou em escolar particular antes de ser aprovado na seleção do Instituto Federal de São Paulo. O colega Ricardo Oba Costa, da mesma idade, é uma amostra do interesse pelo conhecimento. "Estou fazendo técnico em informática para aprender mais conteúdos da área de exatas. Pretendo cursar filosofia ou sociologia e sou realmente bom nas áreas de humanas, por isso vim para cá, para me ensinarem o que eu não sei", comenta.

Os amigos Caio Nery, de 17 anos, e Carolina Costa Silva, de 18, também acham que os alunos são o grande diferencial. Os dois estudaram o ensino fundamental em particulares, e ela chegou a fazer um cursinho para passar no Instituto Federal de São Paulo. "Sempre quis o melhor. O fato de todos aqui serem inteligentes, bem preparados e interessados faz as aulas renderem mais e os professores poderem ir mais longe", avalia ela.

No caso dos colégios mantidos pelo Exército, 70% dos alunos são filhos de militares (que ainda estão na ativa) e entram sem provas de seleção. Os outros 30% são civis ou militares que precisam passar em concurso. A prioridade das vagas nas escolas é para os estudantes que são transferidos de cidade com os pais.

Perspectivas ampliadas

Para Ângela Menezes, diretora do campus de Planaltina do Instituto Federal Brasília, o papel das escolas federais mudou ao longo dos anos. Inicialmente, o objetivo era colocar jovens de baixa renda no mercado de trabalho, os ajudando a definir uma profissão. Com o destaque que a rede ganhou nos últimos anos, o público e a disputa por vagas mudaram. "Os alunos sabem que, além de sair daqui com uma perspectiva profissional, eles podem ser aprovados nos melhores vestibulares do País e continuar sua formação", comenta.

No campus de Brasília, um dos dois cursos oferecidos na modalidade integrada com o ensino médio, o de agropecuária, não tem uma concorrência grande. Cerca de quatro candidatos disputam cada vaga. Mas a formação atrai jovens de outros Estados, como Goiás, Minas Gerais e Bahia. Quem não tem condições de se manter pode disputar uma vaga na casa do estudante local, onde receberá alojamento e alimentação.

Os 550 alunos da instituição são atendidos por 68 professores. Desse total, 27 são mestres e sete, doutores. A maioria deles só atua na escola e pode desenvolver projetos de pesquisa e extensão. O salário mínimo inicial é de R$ 2,1 mil. Os alunos também contam com psicólogo, assistente social, médico e dentista para atendê-los. Podem fazer aulas de dança, teatro, música. "O que precisamos hoje é divulgar melhor a rede. Todos os semestres sobram vagas aqui", afirma Ângela.

Os amigos Italo Daniel da Silva, 16, Ellen Cristina Gomes, 16, Geyse Luiza Fernandes, 16, Bruno dos Santos, 16, Helinton Soares, 16, Marcelo Ricardo da Silva, 16, e Laércio Mendes, 17, escolheram fazer o ensino médio junto com o ensino técnico em agropecuária por causa das possibilidades de mercado. Alguns pensam em cuidar dos negócios da família, que é produtora rural. É o caso de Marcelo, que saiu da Bahia para estudar em Brasília.

"Acho que vamos sair à frente dos outros. A gente amplia muito nossa visão aqui e os professores são muito capacitados", afirma o estudante do 2º ano do ensino médio. Para os jovens, a experiência prática desenvolvida desde o começo do curso favorece a compreensão, inclusive, de conteúdos teóricos do ensino médio, que talvez não fariam sentido se restritos às explicações em sala de aula.

Italo conta que dificilmente um professor falta às aulas e isso, para ele, é fundamental. "Às vezes, temos aulas até domingo", conta. "Acho que sairemos à frente na faculdade também", completa. (Cinthia Rodrigues e Priscilla Borges)

Fonte: IG

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia tem mais 9 patentes


O Inpa fecha o ano de 2010 com mais nove processos e produtos patenteados, ou seja, protegidos. A informação foi divulgada pela Divisão de Propriedade Intelectual e Negócios (DPIN) do instituto.

Entre as patentes aprovadas neste ano pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) estão processos que facilitam a retirada das escamas do peixe para obtenção do couro e composição baseada em extratos vegetais a partir de frutas amazônicas para redução de peso.

Para Rosângela Bentes, chefe da DPIN, as novas patentes são importantes, pois protegem o trabalho intelectual dos pesquisadores. Ela afirma ainda que o Inpa ampliará o trabalho junto aos cientistas para identificar de maneira mais rápida que tipo de pesquisa pode virar patente.

"O número de patentes depositadas pelo Inpa está crescendo e a tendência é crescer ainda mais. Em 2011, vamos fazer um trabalho junto aos pesquisadores para diagnosticar o que pode ser patenteado", disse.

Fonte: Inpa

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Clima: Mudança de papel

Por ser um dos países que mais pode sofrer as consequências do aquecimento global - que coloca em risco a Floresta Amazônica, entre outros pontos -, o Brasil deveria assumir um papel de liderança nas negociações climáticas internacionais e o compromisso de diminuir suas emissões de gases de efeito estufa antes de outros países entrarem em acordo.

A afirmação foi feita por Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), durante a conferência internacional Getting Post 2010 - Biodiversity Targets Right, realizada pelo Programa Biota-Fapesp, Academia Brasileira de Ciências (ABC) e SBPC em Bragança Paulista (SP). A reunião, que terminou no dia 15 de dezembro, marcou o encerramento do Ano Internacional da Biodiversidade.

De acordo com Fearnside, apesar de ter anunciado no início de dezembro, durante a 16ª Conferência Climática das Nações Unidas (COP-16), no México, o plano de cortar entre 36% a 39% as emissões de gases estufa até 2020, o Brasil ainda não tem uma meta clara nesse sentido e com valor legal.

"O que o Brasil apresentou na COP-16 foi um objetivo que pretende atingir até 2020 e que pode mudar ao longo desses anos caso seja difícil atingi-lo. É diferente de uma meta estabelecida em uma Convenção Climática Internacional, que não pode ser revogada", disse à Agência Fapesp.

Segundo o cientista, o Brasil também foi um dos últimos países a endossar o artigo 2 da Convenção do Clima, assinada em 1992 na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), que estabeleceu o objetivo de evitar que os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera atingissem níveis perigosos para o funcionamento do sistema climático global.

Na COP-15, realizada em 2009 em Copenhagen, na Dinamarca, foi somente depois que mais de cem outros países assinarem uma declaração reconhecendo que a temperatura média do planeta não poderia subir mais do que 2º C até o fim deste século sem incorrer em consequências drásticas para o planeta que o Brasil também endossou o documento, apontou Fearnside.

"O Brasil esteve longe de ser o líder nessa negociação sobre o que seria uma mudança climática perigosa", disse o vencedor do Prêmio Fundação Conrado Wessel em Ciência Aplicada ao Meio Ambiente em 2004 e que em 2006 foi identificado pela Thomson-ISI como o segundo cientista mais citado no mundo sobre aquecimento global.

Ainda menos emissões

De acordo com Fearnside, apesar de a COP-15 ter representado um avanço na definição do que representaria uma mudança climática perigosa, ainda não foi decidido quanto equivaleria em termos de concentração de gás carbônico e de outros gases de efeito estufa na atmosfera o aumento de até 2º C na temperatura média do planeta.

Um dos números mais propalados é o de 4.150 partes por milhão de volume de emissão de carbono. Mas, segundo Fearnside, esse número representa apenas 50% da probabilidade de se conseguir manter o aumento da temperatura média do planeta no limite de 2º C, que também é a faixa de resistência às mudanças climáticas da Floresta Amazônica.

"É muito importante que o Brasil, sendo um dos países que mais pode perder com o aquecimento global, jogue seu peso nessa discussão para que esse número caia para 400 partes por milhão ou menos. O país ainda não se posicionou em relação a esse problema e não pode aceitar o risco de que esse limite seja ultrapassado, ou colocará em risco a existência da Floresta Amazônica", afirmou.

Segundo Fearnside, atualmente a concentração de gases de efeito estufa na Amazônia é de 389 partes por milhão. Mas, nos últimos anos, esse índice vem aumentando e, combinado com o aumento da emissão de aerossóis (partículas em suspensão na atmosfera), está provocando a diminuição de chuvas na região.

O resultado desse fenômeno, segundo Fearnside, são secas extremas como as que ocorreram na parte sul da Amazônia em 2005 e em 2010, e o aumento do risco de incêndios na floresta.

"Esse cenário tende a ser muito pior no futuro e em poucas décadas. Se a concentração de gás carbônico e de outros gases de efeito estufa ultrapassar 400 partes por milhão, maiores serão as possibilidades de ocorrer outras secas extremas na Amazônia nos próximos anos", disse.

Mais informações sobre a conferência Getting Post 2010 - Biodiversity Targets Right: www.biota2010-targets.com.br (Elton Alisson)

Fonte: Agência Fapesp

Foco da próxima gestão será valorização do professor, afirma Haddad


Para ministro, "marca" da sua gestão no MEC 
foi o estabelecimentos de metas de qualidade

Logo após ser confirmado na equipe de governo da presidenta eleita Dilma Rousseff, o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que o foco da próxima gestão será na valorização do professor.

"O Brasil precisa resgatar essa dívida com o magistério brasileiro, colocar o professor e a professora no centro das atenções para que continuemos esse ciclo virtuoso de cumprimento das metas de qualidade", disse em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

Haddad está no comando do Ministério da Educação (MEC) desde 2005, quando substituiu Tarso Genro. Formado em direito, com mestrado em economia e doutorado em filosofia, é professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP).

O ministro avaliou que a "marca" da sua gestão no MEC foi o estabelecimentos de metas de qualidade, a partir da criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O indicador funciona como termômetro da qualidade do ensino e atribui uma nota a cada escola.

"A questão do aprendizado está enraizada na escola, todo diretor agora sabe o que é Ideb. A sociedade entende que a escola é um lugar em que se garante um direito fundamental, que é o de aprender. Esse retorno às boas práticas pedagógicas é algo que vai repercutir na história da educação. Daqui a 20 anos, vamos lembrar desse período pelo compromisso que nós resgatamos com a qualidade", disse Fernando Haddad. (Amanda Cieglinski)

Fonte: Agência Brasil

Em discussão, o modelo de desenvolvimento


A defesa da tese de doutorado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) na Unicamp, sexta-feira (17/12), tornou-se um debate sobre os oito anos do governo Lula, com a discussão sobre a existência de um novo modelo para o país - o novo desenvolvimentismo - e a respeito de temas como os perigos do câmbio valorizado para a indústria.

Na banca, estiveram os ex-ministros Antonio Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira e os professores João Manuel Cardoso de Mello, da Unicamp e da Facamp, e Ricardo Abramovay, da USP.

Mercadante fez da apresentação da tese uma defesa enfática da administração petista. Com tintas políticas, propôs a ideia de que o governo construiu as bases de um novo modelo, em que "o social é o grande centro das políticas de desenvolvimento", com mudança no papel do Estado e uma "articulação do desenvolvimento com o meio ambiente, a educação, a ciência e a tecnologia, os grandes desafios para o futuro". Com ironia, Delfim disse ter gostado do "discurso" de Mercadante, brincando que o petista continuava "afiadíssimo" na defesa do governo.

No novo desenvolvimentismo, "o social é o eixo estruturante do econômico", uma característica que o difere do nacional-desenvolvimentismo do passado e do neoliberalismo do período recente, disse Mercadante, escolhido para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia do novo governo.

Segundo ele, o Bolsa Família, os aumentos do salário mínimo, o crédito consignado e a alta dos recursos para a agricultura familiar são algumas das medidas que reduziram a pobreza e diminuíram a desigualdade, além de ajudar a criar um mercado interno de consumo de massas. O crescimento foi mais elevado, com inclusão social.

Um papel mais forte do Estado é outra marca do novo desenvolvimentismo, disse Mercadante, enfatizando a importância do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um sinal nessa direção, ao coordenar e planejar investimentos no país.

Mercadante também lembrou a reação do governo à crise global, quando a atuação firme dos bancos públicos impediu um tombo mais forte da economia, assim como a aceleração de investimentos pela Petrobras. Houve uma política anticíclica num momento em que boa parte do setor privado colocou o pé no freio, afirmou ele, que voltou à Unicamp para defender a tese, intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo: Análise do Governo Lula" depois de uma ausência de 12 anos.

Pioneiro no uso do termo novo desenvolvimentismo, Bresser discutiu até que ponto o governo Lula seguiu as diretrizes do modelo. Segundo ele, o novo desenvolvimentismo prega responsabilidade fiscal, e "houve responsabilidade fiscal no governo Lula". Juros baixos fazem parte do receituário novo-desenvolvimentista, e a gestão petista, ainda que termine com taxas elevadas, promoveu queda expressiva dos juros reais, de 10% para 5%. "Houve um progresso nessa área." Segundo Bresser, Lula deu papel mais estratégico ao Estado, além de ter contribuído para neutralizar a tendência de os salários crescerem abaixo da produtividade.

Bresser apontou duas áreas caras ao novo desenvolvimentismo, porém, em que o governo Lula falhou: a gestão pública e o câmbio, que se valorizou excessivamente. "Houve recentemente um esforço para mudar esse quadro. Guido Mantega [ministro da Fazenda] teve enorme coragem quando, há um ano, colocou o IOF sobre as entradas de capital, arriscando o seu cargo."

Apontando exageros na avaliação de Mercadante sobre o governo Lula, Delfim disse não ver um novo modelo, mas sim o aprofundamento do "que precisava ser aprofundado" e já estava inscrito na Constituição de 1988, que propõe, de acordo com ele, a "construção de uma sociedade democrática, com o objetivo fundamental da construção de igualdade de oportunidades". Apesar da ressalva, afirmou considerar a gestão de Lula um ponto de inflexão no combate à pobreza e na redução da desigualdade. "Isso já estava implícito na Constituição. Devia ter começado muito antes, mas só começou com ele."

Cardoso de Mello elogiou Mercadante e disse não ver problemas no fato de a tese ser um "trabalho de combate": "Esta casa tem tradição nisso". Fez, contudo, algumas observações, de um "leitor atento e simpático". "Primeiro, há quantos governos Lula? Um ou dois?", questionou. "É lícito fazer uma análise do conjunto do período ou seria necessário modular e até mostrar por que a inflexão no segundo governo foi possível?"

Outro ponto importante seria analisar o que "se deveu à 'virtù' e o que se deveu à 'fortuna'" no governo Lula, segundo ele. A ascensão da China, por exemplo, deslocou "a curva de demanda por produtos primários", o que teve repercussão enorme na economia global e tornou o panorama internacional favorável ao Brasil", afirmou Cardoso de Mello. "Lula mesmo diz: 'Eu tive uma sorte danada'. Ele sabe disso, o que não tira os seus méritos, porque soube aproveitar a sorte. "

Cardoso de Mello também disse que valeria a pena Mercadante "olhar para frente". Você, como aluno desta casa, sabe que [Fernand] Braudel diz que existem a longa duração, as conjunturas, que são de 50 anos, e os acontecimentos. Por enquanto, o governo Lula é um acontecimento, embora seja acontecimento importante, porque houve uma ruptura com o governo Fernando Henrique."

Delfim e Cardoso de Mello advertiram para os perigos do câmbio valorizado e de seu impacto sobre a indústria. "Dentro de 20 a 25 anos, teremos 220 milhões a 230 milhões de habitantes e será necessário dar emprego de boa qualidade para 150 milhões de pessoas, e não vamos fazer isso apenas exportando matérias-primas ou produtos agrícolas", disse Delfim.

Cardoso de Mello insistiu no papel-chave da indústria. "Nós vamos jogar o futuro da economia na capacidade que tivermos de renovar a indústria brasileira", afirmou. "Sem indústria, não tem emprego." Segundo ele, a "agricultura não tem emprego e o setor de serviços só tem empregos derivados da indústria, ou são serviços públicos."

Para Cardoso de Mello, é crucial evitar a apreciação exagerada do câmbio. "Não podemos ter um câmbio sobrevalorizado como esse de R$ 1,70, pelo qual uma bola de futebol entra no Brasil a US$ 2,95 - e dessas oficiais, não de borracha, de criança." Ele disse que o país não pode mais cometer "barbeiragens" no manejo dos juros, como a ocorrida em 2004, que abortou o crescimento daquele ano e derrubou o do ano seguinte.

Mercadante reconheceu o problema do câmbio valorizado, para ele o maior desafio de curto prazo do país. Disse, porém, não acreditar que haja um processo de desindustrialização, dada a robustez do mercado interno, embora tenha manifestado preocupação quanto ao "rebaixamento da pauta de exportações". (Sergio Lamucci)


Fonte: Valor Econômico

"Ciência no setor privado ainda frustra", entrevista com Carlos Henrique de Brito Cruz


A ciência brasileira avançou nos últimos anos, mas ainda enfrenta problemas sérios como a participação inexpressiva do setor privado e a falta de articulação entre as esferas estadual e federal. O diagnóstico foi feito por Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em entrevista ao jornal "O Estado de SP".

A Unesco, órgão das Nações Unidas para a cultura e educação, divulgou há algumas semanas um relatório sobre o panorama da ciência no mundo. Brito Cruz é um dos autores do quinto capítulo, dedicado ao Brasil.

Leia a entrevista:

- Qual é sua opinião sobre a política científica no país?

O relatório da Unesco aponta avanços importantes. Houve um aumento de 28% no gasto interno bruto em pesquisa e desenvolvimento entre 2000 e 2008. Com isso, o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) cresceu e, desta forma, puderam atuar fortemente não só no financiamento, mas também na implementação de uma política de ciência e tecnologia no país. Talvez o exemplo mais concreto desta política seja a criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) que estabeleceu 122 redes de pesquisa que terão um efeito importante no desenvolvimento da pesquisa brasileira. A Fapesp valoriza esse programa e, por isso, tornou-se o segundo financiador, atrás apenas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O terceiro financiador é o CNPq. Em resumo, há desafios para serem vencidos, alguns cada vez mais sérios. Por outro lado, houve progressos.

- Quais os principais desafios para a ciência no Brasil?

Há três principais: intensificar as atividades de pesquisa e desenvolvimento nas empresas, disseminar a atividade de pesquisa acadêmica - hoje, muito concentrada no Sudeste - e criar no Brasil instituições acadêmicas muito competitivas internacionalmente, que sejam ranqueadas entre as cem melhores do mundo.

- No Brasil, cerca de 55% dos financiamentos para pesquisa vêm do setor público. Qual é o impacto para o país?

O impacto do investimento público nas últimas décadas foi razoavelmente efetivo. Graças a ele, criou-se um sistema competitivo de pesquisa acadêmica no Brasil. Especialmente quando comparado aos sistemas de países semelhantes e em indicadores de desempenho como artigos científicos publicados em revistas internacionais, número de doutores formados e prestígio internacional de algumas instituições, como USP, Unicamp, Unesp, UFMG... Muitos países não conseguiram fazer o mesmo. Ou seja, o desenvolvimento científico foi expressivo. Já o tecnológico, deixou muito a desejar. Nossa efetividade na criação de um sistema empresarial de pesquisa tem sido frustrante. Parte do esforço depende, de fato, do investimento público: para criar iniciativas como o Programa de Subvenção Econômica à Inovação - da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) -, para apoiar pesquisa colaborativa entre empresa e universidade, para dar bolsas ao pesquisador da indústria que deseja estudar na universidade... Mas, frequentemente, outros elementos da vida econômica do país são mais decisivos como, por exemplo, o incentivo às empresas para exportar - expondo-as à competição internacional -, a estabilidade do sistema econômico nacional - alcançada só em 1994 - e a existência de um sistema eficaz de proteção da propriedade intelectual - que só entrou na pauta em 1997. Ou seja, não depende só do dinheiro aplicado. O valor do dólar, por exemplo, desestimula a inserção das empresas no mercado mundial. A taxa de juros ainda é uma das mais altas do mundo e encarece o custo de investimento em pesquisa para uma empresa. Por fim, a situação econômica dos últimos 50 anos fez com que as empresas não criassem a cultura de valorizar a inovação. Mesmo aquelas que têm atividade de pesquisa, tendem a realizar esforços incrementais, pouco ousados. Ou seja, não basta o governo federal ou estadual oferecer mais subsídios para as empresas. O lado bom é que desde os anos 2000 há uma percepção crescente das lideranças empresariais de que as empresas precisam intensificar suas atividades para criar tecnologia. Há, por exemplo, uma iniciativa interessante chamada Movimento Empresarial pela Inovação. Mas tem demorado muito para a gente descobrir como organizar este sistema.

- Por que é importante o protagonismo da iniciativa privada nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento?

Há três grandes funções que constituem um sistema nacional de ciência: formação de recursos humanos - nas universidades e na pós-graduação -, pesquisa básica - que lança os fundamentos e também serve para treinar estudantes - e pesquisa aplicada - aquela que produz inovação tecnológica para empresas, governo e sociedade. O investimento público costuma estar associado à formação de recursos humanos e à pesquisa básica, as duas funções em que o setor privado não consegue se apropriar dos resultados: as pessoas, depois de formadas, trabalham onde querem e as descobertas de ciência básica normalmente são de domínio público. Por isso, o setor privado investe primordialmente na terceira função. Uma inovação tecnológica pode ser patenteada. O equilíbrio do investimento público e privado é importante para garantir que o sistema funcione.

- O governo federal prometeu elevar o investimento em pesquisa e desenvolvimento para 1,5% do PIB até o fim do ano. Não deve conseguir. Por que é tão difícil?

Esse dispêndio é composto de uma parte pública e outra privada. A parte pública cresceu nos últimos anos. Agora, a parte privada precisa crescer. Para os investimentos em pesquisa chegarem a 1,5% do PIB, a participação das empresas deve chegar a 0,8%. Atualmente é de apenas 0,45%. As empresas começam a perceber que precisam investir com mais intensidade em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, seria conveniente que tanto o governo quanto a comunidade científica dessem mais valor à eficiência do investimento com relação aos resultados obtidos. Quando o assunto é pesquisa, todo mundo fala que é preciso elevar o dispêndio para 1,5% do PIB. Mas com o dispêndio, é preciso elevar também a eficiência e a efetividade do gasto, algo com implicações institucionais importantes: melhorar o sistema de importações, de compra e manutenção de equipamentos e de valorização por mérito dos profissionais. A instituição universitária deve criar condições para que o pesquisador não gaste tempo e dinheiro gerindo projetos, mas fazendo ciência. Ele deve ter o apoio institucional que seu colega recebe em Stanford, Berkeley ou Cambridge. Também é preciso criar condições para as empresas investirem em temas mais ousados e de impacto mundial. Ou seja, não basta investir mais dinheiro.

- Por que o Brasil não avança no número de patentes internacionais?

É algo diretamente relacionado à falta de avanço nas pesquisas dentro das empresas. As universidades também patenteiam descobertas. Mas, em economias razoavelmente saudáveis, a maior parte das patentes são feitas pela indústria (cerca de 95%), enquanto a maior parte dos artigos científicos são publicados pela universidade (novamente, 95%). Nossa fraqueza nas patentes internacionais vem da limitação do esforço empresarial em pesquisa, além da pouca ousadia. Em geral, são pesquisas incrementais e com pouco impacto mundial. No relatório, comparamos quantas patentes são obtidas por cada grupo de mil pesquisadores no Brasil, na Coreia, na Espanha e em outros países. No Brasil, é 1,8. Na Espanha, 7. Na Coreia do Sul, 45. Por que mil coreanos criam ideias mais importantes do que mil brasileiros? Nossas empresas não apresentam desafios aos seus pesquisadores. Eles gastam tempo com pequenas melhoras. E, desta forma, as indústrias coreanas ganham o mundo e nós, não. Quando você compra uma TV de plasma, ela não é brasileira. Algum coreano há vinte anos fez pesquisa sobre aquela tela, sobre a eficiência do aparelho... Muito da pesquisa não deu certo e se perdeu pelo caminho. É parte do esforço. Só encontramos na loja o que deu certo. Sem dúvida, quanto mais ousada é a pesquisa, maior é o risco. Quando escrevi o relatório, um dado chamou muito minha atenção. O número de patentes brasileiras registradas nos Estados Unidos está estagnado desde 2003. Em 2004, registramos 106 patentes. A China registrou 404. Em 2009, nosso número diminuiu para 103. O número da China saltou para 1.655. A Índia também subiu bastante no período. Creio que o problema é a falta de pesquisa nas indústrias e a falta de ousadia.

- Em Brasília, você disse que o país realiza "um voo cego". Por quê?

Há poucas estatísticas sobre pesquisa e desenvolvimento científico no país. Ao lançar a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), em 2003, e a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em 2008, o governo disse que queria aumentar o esforço de pesquisa das empresas. Se é um objetivo da política científica nacional, você deve medir a cada seis meses para saber se a política está funcionando. Mas os primeiros números só surgiram em 2010, referentes a 2008, e ainda apontando uma diminuição no número de pesquisadores na iniciativa privada. Precisamos acompanhar de forma mais próxima. Não há indicadores ou eles demoram para ser atualizados. Em outros países, os gestores sabem quantas empresas foram criadas no último semestre. Se você demora três ou quatro anos para ter esse dado, a efetividade do sistema cai muito.

- As patentes nas universidades estão crescendo. Mas o relatório aponta que mais dinheiro é gasto registrando a patente do que o obtido com seu licenciamento.

Sim, mas é natural. Menos de dez universidades no mundo conseguem compensar o gasto de registro de patentes com o dinheiro ganho no seu licenciamento. E, mesmo nessas instituições, se você considerar o gasto na pesquisa que produziu a inovação, desaparece qualquer ganho com licenciamento. Em universidades americanas, o normal é gastar US$ 400 milhões em pesquisa por ano e receber US$ 6 milhões de licenciamento. O custo de pesquisa em universidades do porte da Unicamp e da USP pode girar em torno de R$ 400 milhões a R$ 1 bilhão por ano. Um escritório de patentes precisa de R$ 10 milhões por ano. No relatório, afirmamos que, no Brasil, não conseguimos cobrir esse custo de R$ 10 milhões com os dividendos do licenciamento. Contudo, queríamos sublinhar que o valor de um escritório de patentes dentro da universidade não está em gerar mais dinheiro do que despesas. Assim como o valor de formar estudantes não está em ganhar mais dinheiro do que o investido na sua formação. A patente licenciada aumenta a capacidade da universidade difundir conhecimento, sua principal missão. Pois, desta forma, alguém pode se interessar por converter aquele conhecimento em atividade comercial e torná-lo útil para a sociedade. A patente dá segurança ao empreendedor de que ele vai ter retorno se apostar na ideia criada na universidade.

- Como preencher o abismo entre academia e indústria? Para a indústria, a academia está longe da realidade. Para a academia, a indústria quer o produto pronto.

As percepções são as mesmas nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra... Academia e empresa são dois mundos diferentes. No Brasil, creio até que há uma aproximação muito rápida e efetiva do mundo acadêmico com o mundo industrial na pesquisa. Entretanto, precisamos recordar que há objetivos distintos. O objetivo da universidade é educar os estudantes, fazer avançar e difundir o conhecimento humano. O objetivo da empresa é crescer, obter mais lucro, criar empregos e, com isso, beneficiar a sociedade. São mundos diferentes e os dois são necessários para a sociedade. Se você considerar universidades brasileiras de prestígio - como USP e Unicamp -, o porcentual do dispêndio em pesquisa financiado por empresas é comparável ao de boas universidades americanas. Em Columbia, deve ser 3%. Em Berkeley, talvez 7%. Na Unicamp, é 5,5%. Não é um porcentual pequeno. Mas como, no Brasil, poucas empresas fazem pesquisa e poucas universidades fazem ciência competitiva, há poucos casos de parceria. Já nos EUA e na Inglaterra, há um monte de parcerias acontecendo. Além disso, uma restrição importante para a interação entre os dois mundos é a falta de pesquisadores nas empresas: não há interlocutores para os cientistas das universidades.

- O Brasil tem 1,33 pesquisador por mil habitantes. Menos que China, Argentina e Espanha.

Essa proporção vem crescendo nos últimos vinte anos. Na academia, duplicou o número de pesquisadores de 1995 a 2008. Sem dúvida, o Brasil precisa de mais institutos de pesquisa acadêmica, boas universidades. Mas isso já está acontecendo: as universidades estão se qualificando e novas instituições são criadas. Contudo, no mundo empresarial, mais uma vez, é um pouco frustrante. Estima-se que, em 2005, havia 50 mil cientistas nas empresas. Em 2008, eram 45 mil. É intrigante que, em um período em que surgiram tantos instrumentos para aumentar a pesquisa privada, o número de pesquisadores diminuiu. Tenho duas hipóteses para explicar esta queda. A primeira é que ainda não deu tempo das estratégias governamentais - como a subvenção econômica para a inovação - fazerem efeito. A segunda é que, nos últimos cinco anos, o país tem enfrentado um verdadeiro apagão de mão de obra. Quando aumentou o ritmo do desenvolvimento econômico, começou a faltar gente para qualquer atividade que você queira realizar: também pesquisa e desenvolvimento. Mas são só hipóteses. A primeira hipótese explica uma estabilização no número de vagas para pesquisa nas empresas. A segunda pode ajudar a entender a queda. Convém lembrar que o número de doutores formados crescia 14% por ano até 2004. A partir de 2004, o porcentual caiu para 5%. Ou seja, continua crescendo, mas diminuiu o ritmo.

- Não corremos o risco de formar um contingente de pesquisadores que depois ficará desempregado?

Não. Quando dizemos que há 1,33 pesquisador em cada grupo de mil brasileiros, consideramos apenas pesquisadores empregados. Não diletantes. No relatório, afirmamos que é necessário aumentar o número de pesquisadores empregados. Não é formar um monte de gente que vai sobrar. Naturalmente, como em qualquer país, precisamos formar um número maior de pessoas do que as vagas de trabalho disponíveis, pois a conta não é exata. Se eu quero cem pesquisadores, vou formar mil, porque destes, cem vão realmente decidir trabalhar com pesquisa. Os outros 900 vão fazer outras coisas porque não se adaptam ou perdem o interesse. O sistema deve ter uma folga. Não dá para adotar um sistema soviético com planejamento quinquenal... as pessoas escolhem o que vão fazer.

- Como você avalia o sistema educacional brasileiro?

Você vê algo intrigante quando analisa o gráfico do número de concluintes do ensino superior nas universidades federais brasileiras nos últimos anos. O número vinha subindo até 2003 e depois parou. Em 2008, as universidades federais formaram menos gente que em 2004. Não sei como explicar isso. Foram criadas várias universidades, o investimento e o salário aumentaram, tudo foi feito... E, no entanto, do ponto de vista do resultado para o contribuinte, menos gente se formou. E isso tem impacto na etapa seguinte, pois quem costuma ingressar na pós-graduação normalmente passou por uma universidade federal, uma estadual paulista ou outras cinco instituições no país. Embora o número de formados nas estaduais paulistas esteja crescendo - até mais rápido a partir de 2000 -, a queda do ritmo nas federais pode ter causado a diminuição do ritmo da formação de doutores. Além disso, em outros países, basta apostar na graduação e na pós-graduação. No Brasil, não é suficiente. Há tantas restrições nos níveis anteriores que, se você criar muitas universidades, não vai conseguir preencher as vagas porque as pessoas não terminam o ensino médio sabendo o necessário para ingressar no ensino superior. O problema da formação de recursos humanos no Brasil é maior do que em muitos outros países.

- Segundo o relatório da Unesco, a participação dos investimentos estaduais em pesquisa e desenvolvimento é expressiva: cerca de um terço. Como você vê a articulação entre as esferas estadual e federal?

Há algum progresso. Certos programas são cofinanciados por entes estaduais e federais. Aqui na Fapesp, por exemplo, realizamos vários cofinanciamentos com o CNPq e a Finep. Mas, levando-se em conta o tamanho do esforço estadual, o governo federal deveria levar mais em conta os objetivos dos estados e suas características específicas. A colaboração não é só o governo federal perguntar quem quer participar no seu programa de institutos nacionais. Há atividades que um estado quer fazer e outro não - como criar um centro de pesquisa sobre um determinado tema ou organizar um evento internacional específico. A participação dos estados no estabelecimento de estratégias é muito menor que a participação financeira. Precisamos conversar, valorizar as ideias dos estados, sem anular as ideias de Brasília. Pois é ruim uma colaboração em que um entra com a ideia e os outros só pagam. Vale lembrar que, embora os estados contribuam com 35% do investimento total, há uma grande diferença na participação de cada unidade federativa. Em Minas, São Paulo e Rio, o investimento estadual é muito maior que 35%.

- Mas os entes estaduais decidem para onde vai seu próprio recurso, não?

Sim. Mas não houve até agora muitas oportunidades para os entes estaduais criarem proposições pelas quais Brasília se interesse. Brasília tende a se interessar pelos seus próprios projetos. Em São Paulo, por exemplo, propusemos ao Ministério de Ciência e Tecnologia a instalação de um centro de pesquisa sobre bioenergia. Discutimos a proposta durante quase dois anos. O ministério não aceitou e construiu um centro de bioenergia sozinho. Agora teremos dois centros fazendo a mesma coisa: um programa grande da Fapesp e outro do ministério. Mas para fazer um super-computador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) eles estavam dispostos a trabalhar juntos. Não sei bem o que governa esse tipo de decisão lá em Brasília. A última vez que fui para lá recebi um livrinho que elenca os principais resultados do plano de ação do ministério. O texto inicial atribui o sucesso a "uma forte articulação do governo federal com estados e municípios". Você lê o livrinho inteiro e não há nenhuma ação de estados e municípios. Ou melhor, há uma menção: quando se afirma que foram criados 122 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. O texto diz que o programa recebeu recursos de R$ 609 milhões, fruto de uma parceria com "Ministério da Educação (MEC), Ministério da Saúde, Petrobrás, BNDES e fundações estaduais de fomento à pesquisa". No entanto, o MEC colocou apenas R$ 1 milhão no programa. A Fapesp colocou R$ 103 milhões, mas o nome da instituição paulista não aparece ali, apesar de ser a segunda maior financiadora, atrás apenas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que contribuiu com R$ 190 milhões. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) é o quarto maior financiador. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) é o quinto. Também não aparecem. É uma colaboração com os estados que não reconhece o parceiro, apesar de, no contrato assinado, existir uma cláusula que diz: em qualquer ação promocional, deverá ser feita menção expressa à Fapesp. A Fapesp não é "fundações de amparo dos estados". A Fapesp é a Fapesp. Queremos colaborar, mas queremos também que os estados sejam tratados como atores relevantes.

- Por que é tão importante disseminar a pesquisa acadêmica, hoje concentrada no Sudeste?

Porque ao distribuir melhor as atividades de pesquisa e desenvolvimento, você cria as condições para que mais brasileiros se envolvam e é melhor contar com um exército de 190 milhões do que com 80 milhões. Há muita gente capaz no Acre, no Amazonas, em Roraima, em Pernambuco... é bom que cresça a atividade de pesquisa lá. O desafio é dosar: precisamos diminuir a concentração das vagas no Sudeste, incluindo mais gente, e, ao mesmo tempo, construir centros de excelência que se destaquem internacionalmente. Também nos países desenvolvidos há muita concentração da atividade científica. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 25% do dinheiro para pesquisa é gasto na Califórnia. E é um país completamente homogêneo. Qualquer cidade americana se parece com qualquer outra. Precisamos disseminar, mas sempre haverá algum grau de concentração que reflete a concentração de outras realidades: acesso à escola, renda... Não basta fazer três universidades em uma região. Se as pessoas não tiverem renda, ensino fundamental e médio, não adianta. Disseminar a atividade científica é só uma das ações para diminuir a concentração da pesquisa acadêmica. São necessárias outras. A experiência internacional mostra que vale a pena incentivar o esforço local. A diminuição da concentração não depende só de Brasília. O Estado também deve assumir compromissos, financiar decentemente fundações de amparo à pesquisa, criar universidades estaduais etc. O número de estudantes nas universidades estaduais no país é quase igual ao das universidades federais: é um esforço muito importante. Mais uma vez, voltamos à questão anterior: precisamos articular melhor as esferas estadual e federal, reconhecendo as diferenças, sem tornar tudo homogêneo.

- O que você acha dos critérios para julgar o mérito dos pesquisadores na academia?

Nas melhores universidades brasileiras, são comparáveis aos usados em universidades de outros lugares do mundo. Mas talvez seja conveniente usar critérios mais conceituais e menos quantitativos. O Brasil fez um progresso nos últimos 40 e 50 anos ao incorporar na avaliação dados objetivos como número de artigos publicados e de citações. Quando ignorava esses indicadores era ruim. Mas não dá para substituir a avaliação qualitativa. Alguém precisa ler o artigo e formar uma opinião sobre o valor da pesquisa realizada. E isso falta. Agregar procedimentos que avaliem a qualidade - e não só a quantidade - aumentará a crítica e o debate entre avaliadores e avaliados na academia, o que é bom. A busca de uma objetividade baseada só em indicadores não contribui para o progresso da ciência. Não podemos ficar só com os indicadores quantitativos.

- O relatório afirma que há uma certa tendência de julgar a ciência em termos utilitários...

Ao mesmo tempo que você precisa ter pesquisa ligada a aplicações, também é preciso existir pesquisa sem aplicações imediatas. Ou seja, há muita pesquisa no Brasil que não se justifica por fazer alguma empresa mais rica, mais competitiva. Servem para tornar as pessoas sábias. E o Brasil precisa de gente sábia para dialogar com o mundo. Necessitamos de pesquisa básica e pesquisa sobre temas como literatura brasileira, filosofia, raios cósmicos, origem do universo... faz parte do esforço para tornar a humanidade mais humana. O objetivo do investimento público em pesquisa não é só tornar a indústria mais competitiva, mas também tornar os brasileiros mais sábios. O utilitarismo parece ser a tendência predominante no momento. Por isso, precisamos insistir no fim desse investimento. O impacto utilitário da ciência é mais visível, pois conseguimos mensurar que a doença foi curada, que o equipamento funcionou... mas é difícil verificar se as pessoas ficaram mais sábias, embora seja tão ou mais importante que o impacto utilitário. Precisamos equilibrar o esforço de pesquisa nas duas frentes. Também porque precisamos formar estudantes que sejam capazes de refletir, participar de debates e diálogos. A tendência do sistema voltar-se para o utilitarismo é enorme.

- O relatório também afirma que diminuiu a colaboração de brasileiros com pesquisadores internacionais. Por quê?

Não apresentamos nenhuma hipótese para explicar no relatório. Mas acredito que a pós-graduação no Brasil desenvolveu-se bastante. Então diminuiu o número de pessoas que são enviadas a outros países, o que restringiu a formação de contatos, redes e pontos de conexão com pesquisadores fora do país. (Alexandre Gonçalves)

Fonte: O Estado de SP

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CTNBio aprova pesquisa com mosquito transgênico


Os dois itens da pauta de votação são inéditos na pesquisa brasileira. A liberação do milho transgênico foi para cultivo, consumo animal e humano, manipulação, transporte, descarte, importação e exportação e livre comércio do milho. Já a liberação para o desenvolvimento do mosquito transgênico visa combater uma das principais doenças brasileiras, a dengue.

Além das duas aprovações inéditas, a Comissão permitiu também a comercialização de um algodão geneticamente modificado tolerante ao glifosato, denominado GHB614 (Algodão GlyTol®) e de outro milho geneticamente modificado resistente a insetos e tolerante ao glifosato, o MON88017 e suas progênies.

Polêmica

O jornal "Valor Econômico" desta sexta-feira publicou matéria sobre a liberação das variedades de milho pela CTNBio. Segundo o texto, a medida "abriu uma nova polêmica que deve alimentar a guerra interna no início da gestão do futuro ministro da Ciência e Tecnologia, o atual senador Aloizio Mercadante (PT-SP)."

Os membros do colegiado aprovaram, pela primeira vez no Brasil, a comercialização de um transgênico composto por um conjunto de genes produzido por duas empresas concorrentes. O milho "piramidado" criado pelas multinacionais Monsantoe Dow AgroSciencesreúne três características diferentes em um só produto. O milho, batizado de "MON 89034 x TC1507 x NK603", levantou uma polêmica no plenário: alguns membros questionaram se o produto não serviria apenas para prevenir futuros processos contra eventuais cruzamentos desses genes no campo.

"Ao que parece, as duas concorrentes tentaram se antecipar para não sofrer punições legais que o cruzamento de seus milhos no campo poderia trazer", afirmou o agrônomo geneticista Leonardo Melgarejo, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio ao "Valor Econômico".

O presidente da CTNBio, o geneticista Edilson Paiva, defendeu a aprovação: "Isso já é comum lá fora. Temos 500 genótipos de milho aprovados pela nossa Lei de Sementes. E 136 já são transgênicos", afirmou. Procurada pela reportagem, a Monsanto informou que dará explicações sobre a parceria com a Dow apenas hoje.

A reunião também autorizou a comercialização do milho "MON88017" da Monsanto, resistente a pragas da raiz e tolerante a agrotóxicos a base de glifosato. "Essa aprovação é mais um sinal de que a agricultura brasileira caminha a passos largos para o desenvolvimento cada vez mais sustentável", disse, em nota, o presidente da Monsanto do Brasil, André Dias.

Em mais uma polêmica interna, a CTNBio debateu na quinta-feira (16/12) as novas regras sobre o sigilo dos processos. Sem submeter as alterações ao plenário do colegiado, o MCT publicou a Portaria nº 979 para alterar o regimento interno da comissão. O texto determinou que o presidente decidirá sobre os casos de sigilo. Além disso, a portaria estabeleceu que os processos só poderão ser manuseados por servidores da CTNBio ou funcionários da empresa interessada.

Todos os documentos que contenham sigilo não poderão ser acessados. "Isso acaba com a transparência. Antes, eram sigilosas só partes do processo. Agora, passa a ser todo processo", afirmou Leonardo Melgarejo. Na reunião, o consultor jurídico do MCT Alessandro Stefanato afirmou que a portaria "talvez possa melhorar".

O presidente Edilson Paiva afirmou que a portaria não mudará nada nos procedimentos. "A lei permite confidencialidade. Sempre entendemos que era para partes, como proteção da cultivar e patente. E vai ser exatamente isso. Só vai ser confidencial isso. Não muda nada o que fazemos", diz. Mas admite que será necessário um consenso sobre o alcance dessa portaria: "Vamos deixar bem claro o que será confidencial", diz Paiva.

Fonte: Jornal da Ciência/MCT/Valor Econômico

Estudo sugere órgão espacial único

Com 74 páginas, o documento, que foi elaborado por 50 especialistas, sendo 35 consultores da iniciativa privada e das principais instituições de pesquisa espacial do país, ressalta a necessidade de um programa espacial mais adequado à grandeza territorial e econômica do país e sugere medidas de curto prazo, que devem ser tomadas para que o país possa avançar nessa área.

A associação propõe, entre outras coisas, a fusão da Agência Espacial Brasileira (AEB) e dos órgãos do setor (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, e o Instituto de Aeronáutica e Espaço, o IAE) em uma única agência. Na nova estrutura, a agência faria a condução da Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais. Para isso, a AAB recomenda que a agência tenha uma posição supraministerial que, segundo os autores do documento, facilitaria a coordenação e a integração das atividades espaciais e permitiria uma atuação mais ampla.

"A AEB hoje controla o orçamento do programa espacial, mas não tem autoridade dentro do organograma do setor. Hoje, o nosso programa está sem foco, é um conjunto de atividades desconexas, sem metas claras e sem horizonte", afirma o presidente da AAB, Paulo Moraes. O relatório da AAB foi dividido em cinco tópicos: missão, meios de acesso ao espaço, recursos materiais, humanos e financeiros , política industrial e institucionalidade.

Segundo ele, o documento não tem o intuito de criticar nenhum projeto específico. "Nosso trabalho tem o objetivo de se tornar mais uma contribuição para o setor e gostaríamos que ela fosse considerada dentro do processo de discussão e reavaliação do Programa Nacional das Atividades Espaciais, em curso no âmbito da Agência Espacial Brasileira.

Iniciativa similar foi feita também no dia 30 pelo Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados, que lançou um estudo sobre a "Política Espacial Brasileira". O estudo faz um diagnóstico do setor no Brasil e propõe medidas de estímulo à pesquisa e à produção espacial no país.

Uma questão crucial que deve ser resolvida no curto prazo, segundo o presidente AAB, está relacionada à perda de recursos humanos do programa espacial brasileiro, que vem se agravando com a elevação da faixa etária dos servidores. "Para a fixação desses profissionais deve ser implantado, num prazo de cinco anos, um plano de carreira, com metas para ascensão tangíveis e política salarial atrativa e perene", conclui o documento da AAB.

A continuidade e a ampliação do programa espacial, na visão da AAB, dependem ainda de fatores como o acréscimo de recursos financeiros e também um envolvimento mais efetivo da indústria nacional. "Nos últimos 30 anos, os recursos orçamentários foram concentrados na infraestrutura e pouco foi destinado para o desenvolvimento e capacitação da indústria brasileira."

As restrições orçamentárias também são apontadas pelo estudo da AAB como grande obstáculo ao avanço do programa espacial no Brasil. A Associação aponta como alternativas para os investimentos no programa os fundos setoriais, como o CT Espacial e o Funtel, subvenções econômicas, financiamentos externos, parcerias público-privadas, acordos de compensação para compras no exterior, além da comercialização de serviços e produtos gerados pelos centros de pesquisa do setor.
(Virgínia Silveira)

Fonte: Valor Econômico

Aloizio Mercadante avalia cenários e traça planos para CT&I no governo Dilma Rousseff


Na primeira entrevista após sua indicação para ocupar o cargo de ministro de Ciência e Tecnologia no governo da presidente eleita Dilma Rousseff, o senador Aloizio Mercadante disse que pretende dar continuidade aos avanços alcançados com o Plano de Ação para a Ciência, Tecnologia e Inovação (PAC da Ciência), destacou a importância de se consolidar uma cultura de inovação tecnológica e afirmou que a formação de recursos humanos para a área de C&T será a "prioridade das prioridades".

Mercadante falou com exclusividade ao Portal da Unicamp nesta sexta-feira (17/12), pouco antes de apresentar a defesa de sua tese de doutorado no Instituto de Economia (IE), onde concluiu o mestrado em 1989, passando a integrar o corpo de docentes do Departamento de Teoria Econômica, função da qual está licenciado em razão de suas atividades parlamentares.

Intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo: Análise do Governo Lula", a tese de doutorado teve como orientador o diretor do IE, Mariano Laplane, e foi submetida a uma banca composta pelos economistas Antônio Delfim Neto, Luiz Carlos Bresser Pereira, João Manuel Cardoso de Mello e Ricardo Abramovay.

O nome de Mercadante para ministro de C&T foi indicado na última quarta-feira (15/12) pela presidente eleita. O senador deverá reunir-se na próxima segunda-feira (20) com o atual titular da pasta, Sergio Rezende, para dar início ao processo de transição.

Leia a entrevista:

- A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC) divulgaram nota no dia 2 de dezembro manifestando a expectativa quanto à manutenção, pelo novo governo, das condições para que o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) conduza uma efetiva política de Estado. Como novo ministro indicado para a pasta, que resposta o senhor daria às duas principais entidades representativas da comunidade científica brasileira?

Nós tivemos uma política extremamente exitosa e eficiente, tanto do ponto de vista do avanço na educação pública, com a expansão das universidades federais e programas que expandiram a estrutura de ensino e pesquisa, quanto no Ministério de Ciência e Tecnologia, com o sistema de pós-graduação, investimentos na excelência, descontingenciamento dos Fundos Setoriais, um adensamento da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que não teve o mesmo crescimento da receita da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), mas foi fortalecido inclusive através dos Fundos Setoriais, e a definição de estratégias, sobretudo o desafio da inovação, juntar pesquisa e desenvolvimento no processo produtivo. Então há, de fato, um reconhecimento dessa política e nós vamos evidentemente dar continuidade e fazer os ajustes necessários. Tive uma reunião essa semana com integrantes da SBPC e da ABC, exatamente discutindo os temas mais sensíveis e os desafios que temos pela frente. 

Aqui mesmo, na Unicamp, hoje, colhi uma série de demandas muito concretas, como problemas como acesso a importação de produtos, que é muito lento em razão da burocracia. Para pesquisa esse tempo é absolutamente precioso e você dificulta muito. São questões pontuais, que vão desde a compra de periódicos, até às grandes diretrizes, que precisamos aperfeiçoar no Plano Nacional de Ciência e Tecnologia (PAC da Ciência), para darmos conta desse imenso desafio que é a inovação tecnológica no Brasil.

- O PAC da Ciência, lançado em 2007 na gestão do ministro Sergio Rezende propiciou um aumento dos recursos financeiros federais para CT&I e ampliou políticas e programas para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Essa política será mantida?

Nós fizemos um programa de 2007 a 2010, de R$ 41,5 bilhões, que foi integralmente cumprido. Estamos agora elaborando o Plano 2, que vai restabelecer metas, definir novos focos, fortalecer instrumentos. Pretendemos ampliar. A própria presidente eleita (Dilma Rousseff) sinalizou com a perspectiva de ampliarmos a participação da C&T no PIB brasileiro.

- Desde a criação do MCT, em 1985, os diversos governos têm prometido elevar os investimentos em C&T para 2% do PIB, mas até agora essa expectativa não se confirmou. Essa meta finalmente será alcançada na sua gestão?

Vamos aguardar a posse. Vamos ter metas e vamos lutar para poder aumentar a participação. Esse é um grande desafio, é algo necessário. Evidente que há demandas da saúde, da educação, demandas dos investimentos públicos de uma forma geral. O Brasil ficou muito tempo com sua capacidade fiscal comprometida pelo baixo crescimento, pela dívida pública e pelos juros. O atual ambiente macroeconômico de um crescimento acelerado e sustentável melhorou a capacidade de investimento, mas ela ainda é muito baixa. As estatais, por exemplo, representam 64% do investimento público federal. Então, nós temos ainda um problema macroeconômico a ser equacionado. 

Ao mesmo tempo, a C&T é decisiva para que possamos crescer com qualidade, com inovação, gerar mais valor agregado, melhorando as contas externas do país. Portanto, é um investimento estratégico para o Brasil. Por isso acho que temos condições de melhorar a posição do Ministério. Já é (o MCT) o sétimo ministério na Esplanada em termos de orçamento, cresceu muito nesse governo e nós precisamos continuar avançando para atender aos desafios da sociedade do conhecimento, que é o desafio do futuro e o principal desafio do Brasil.

- Relatório da Unesco divulgado recentemente aponta uma participação maior dos países emergentes, entre eles o Brasil, no mapa da P&D mundial. Mesmo assim, a distância em relação aos países desenvolvidos ainda é grande. Em sua opinião, no caso brasileiro, quais os principais gargalos?

Somos hoje o 13º país no ranking internacional de publicações científicas indexadas, o que é um resultado espetacular. Se você olhar algumas disciplinas, como matemática, física e engenharias, nós estamos acima dos Brics (Brasil, Rússia, China e India) em qualidade das publicações. Não em volume, onde estamos bem abaixo da China e Índia, mas na qualidade das citações estamos acima da média. Agora, quando vamos para a inovação, por exemplo patentes, o Brasil está muito abaixo do seu potencial. 

Em algumas áreas, como biomédicas, muito abaixo dos nossos desafios. Então precisamos ter um foco muito especial para essas áreas e sair de uma visão ofertista, que é a visão do passado, quando você tinha o sistema de pós-graduação e de pesquisa e as empresas faziam demandas pontuais. Isso não funciona, não é mais assim no mundo. Temos de ter uma política de compras. Aprovamos a Medida Provisória 495, que dá poderes ao Estado para comprar, inclusive produtos nacionais, com até 25% acima do preço, desde que tenha impacto na inovação. Nós precisamos criar uma interação entre todos os agentes da cadeia produtiva. Universidades, governo, empresários. 

Criar uma cultura de inovação empresarial. Temos um grande desafio e para a superação desse desafio nós temos algumas experiências no Brasil muito exitosas. Chamo atenção para o caso da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Somos hoje o segundo país produtor de alimentos no mundo, aumentamos em 51% a produção agrícola no governo Lula, e a Embrapa teve um papel absolutamente decisivo. Temos os exemplos do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e do CTA (Centro Técnico Aeroespacial) na relação com a Embraer, que é a única empresa de aviação líder no seu segmento entre os países abaixo do Equador. E temos o exemplo do Cenpes (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello) da Petrobrás, com toda a inovação na cadeia de gás e petróleo. Então, o Brasil tem capacidade e experiências exitosas para implantar uma visão sistêmica da inovação, que é o que nós vamos buscar aprofundar nesse próximo período.

- A Lei de Inovação e a Lei do Bem, que representaram dispositivos importantes, não foram suficientes para criar essa cultura de inovação no Brasil?

Ajudaram muito. A Lei de Inovação e a Lei do Bem deram incentivos fiscais, subsídios, aumentamos extraordinariamente os recursos para esses segmentos, estamos tendo grandes empresas internacionais que estão vindo investir em C&T no Brasil. A GE (General Eletric), por exemplo, está fazendo um centro estratégico, a Vale fez um grande projeto no Pólo Tecnológico de São José dos Campos. Então nós estamos conseguindo atrair investimentos e estamos expandindo. Mas é um desafio fundamental porque isso é absolutamente decisivo para a economia do futuro, que vai ser uma economia da Ciência e da Tecnologia, uma economia da informação, uma economia do conhecimento.

- Outro dado apontado pela Unesco é a estagnação na formação de novos doutores no Brasil, que caiu nos últimos cinco anos de 15% para 5% ao ano. Como reverter essa tendência? O novo governo pretende, por exemplo, rever a política de bolsas do CNPq?

Nós tivemos esse ano 155 mil bolsas CNPq e Capes. É um esforço muito grande. A Capes triplicou o seu orçamento, o CNPq não. Então tem de ter uma política especial para o CNPq e já apresentei a minha preocupação ao governo. Nós precisamos também que a Finep se transforme numa instituição financeira, porque ela vai ter muito mais atividades para o financiamento e sai das restrições orçamentárias, a exemplo do que é o BNDES na área da indústria. 

Nós precisamos mexer na política de financiamento à pesquisa. Agora, com a criação de novas universidades federais está havendo uma descentralização importante na formação de mestres e doutores, criando-se novos pólos regionalizados, e isso vai ter um papel muito importante para voltarmos a acelerar. E recursos humanos é a prioridade das prioridades. Porque só produzindo gente competente, que pesquisa e produz, nós vamos poder avançar na inovação, na ciência e tecnologia no Brasil.
(Clayton Levy)


Fonte: Portal da Unicamp