quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Pesquisa busca desvendar desaparecimento de abelhas

Microssensores monitoram e mapeiam comportamento dos insetos
Uma tecnologia inovadora está ajudando a monitorar abelhas e tenta desvendar por que elas estão desaparecendo. Microssensores são colocados nas costas dos insetos para registrar e mapear todos os trajetos percorridos. Trata-se do projeto Abelhas de Mochilas desenvolvido na CSIRO –Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation, maior agência de pesquisa aplicada da Austrália, e que conta com a participação do físico brasileiro Paulo de Souza, especialista em miniaturização.
De acordo com Souza, com os dados recolhidos será possível identificar mudanças no comportamento dos animais e estudar como estes podem afetar a produção agrícola. As abelhas são responsáveis por levar o pólen de uma planta para outra, colaborando com a fecundação das flores que, por sua vez, geram novos frutos e sementes. É o processo de polinização. Quando essa cadeia é interrompida, a reprodução fica comprometida.
Atualmente um terço dos alimentos consumidos no mundo depende da polinização de abelhas e insetos similares para sua produção. O que os cientistas do mundo todo estão observando é que muitas abelhas deixam as colmeias e não voltam. Desorientadas, acabam morrendo, ao que chamam de Distúrbio de Colapso de Colônias (CCD, na sigla em inglês). “Queremos entender o que está acontecendo porque as abelhas são essenciais para a produção de alimentos no mundo”, afirmou.
Segundo Souza, o trabalho começou em setembro de 2013, com o desenvolvimento dos primeiros sistemas. Em outubro, iniciou-se a preparação das colmeias e a colocação dos sensores no laboratório. “Nessa etapa pode-se confirmar a melhor posição de colocação do sensor na abelha, qual a melhor cola e o impacto dos mesmos nesses animais. Em abril de 2014, as primeiras abelhas receberam o sensor no campo e a coleta de dados se iniciou e continua até hoje em quatro colmeias na Austrália”, explicou o físico.

Estudo na Amazônia
No Brasil, como parte do estudo desenvolvido pela CSIRO, o comportamento de um grupo de 400 abelhas africanas está sendo monitorado pelos microssensores. Em maio deste ano, em parceria com o Instituto Tecnológico Vale (ITV) de Belém, se iniciou o trabalho com uma colmeia em Santa Bárbara, no Pará, e o trabalho deve continuar até dezembro. Souza estima que até o final da primeira fase do estudo, em maio de 2015, serão mais de 10 mil abelhas com sensores. Mas ele explica que há diferenças entre os estudos. “Na Austrália, investigamos a influência de pesticidas na saúde e comportamento das abelhas. Na Amazônia, verificamos o impacto da alteração do clima no seu comportamento. Planejamos também iniciar os estudos com abelhas sem ferrão ainda este ano. Neste caso, nossa intenção é investigar o impacto de pesticidas na colmeia”, afirmou.
Souza explica que a Amazônia sofre um declínio de seus polinizadores naturais, são responsáveis, por exemplo, pela produção de castanha do Pará. “Sem o polinizador, que é a abelha mamangava, não teremos a produção desse tipo de fruto. E há comunidades que dependem dessa produção, não só de castanha, mas de toda uma produção agrícola da região”, contou.

Doenças e outras hipóteses
Nos EUA, o CCD já provocou a morte de 35% desses insetos criados em cativeiro. O problema atinge estado crítico e tem interferido significativamente na produção agrícola desses países, tendo os EUA dedicado USD 50 milhões no orçamento de 2015 à pesquisa para reprodução de abelhas e outros insetos polinizadores.
Alguns fatores podem explicar a causa do distúrbio, mas, por enquanto, são consideradas apenas como hipóteses. São eles: uso abusivo de pesticidas nas lavouras; ondas eletromagnéticas emitidas por redes de telefonia celular; mudanças climáticas, particularmente com maior ocorrência de eventos extremos; infestação por praga; disseminação da monocultura; poluição do ar; e até o uso de técnicas para aumentar a produção de mel que estressam e desorientam os insetos.
Para David De Jong, especialista em patologia de abelhas do Departamento de Genética da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (FMRPUSP), que investiga os indícios desse distúrbio do colapso das colônias no Brasil, houve um agravamento nas doenças das abelhas no país, com alguns dos sintomas de CCD.
Com doutorado em Entomologia pela Universidade de Cornell, nos EUA, De Jong desenvolve pesquisa que envolve principalmente Patologia Apícola e nutrição das abelhas. “Nutrição afeta muito a saúde das abelhas, é porque alimentação proteica tem ajudado a contornar a perda das abelhas nos EUA. Além disso, pesquiso principalmente o ácaro Varroa destructor, um parasita das abelhas. Mundialmente, este ácaro é considerado o problema mais importante para a apicultura, embora no Brasil as colmeias sobrevivam sem a necessidade de tratamento”, revelou.
De acordo com De Jong, o desaparecimento das abelhas já é um fenômeno mundial, que preocupa tanto os apicultores, por conta da perda de suas colmeias, como os agricultores que dependem das abelhas para polinizar as suas culturas. “Estas perdas de abelhas têm tido um impacto negativo na produção agrícola, aumentando o custo dos alimentos e ameaçando a viabilidade de várias culturas”, alertou o pesquisador.

Em busca de expansão
Os primeiros resultados do monitoramento do comportamento das abelhas devem sair no segundo semestre do próximo ano. Segundo Paulo de Souza, inicialmente os pesquisadores estão se concentrando na análise do uso de pesticida. Para isso, duas colmeias foram colocadas em contato com o pólen contaminado e outras duas, não. Se for notada qualquer alteração no comportamento das abelhas expostas ao pesticida, como a incapacidade de voltar para a colmeia, desorientação ou mesmo a morte precoce, o produto passará a ser o principal suspeito do CCD.
“Os resultados do estudo só serão apresentados após ao fim e depois de um processo rigoroso de revisão por pares. O que podemos dizer é que o estudo tem alcançado seus objetivos e representa um caso bem sucedido de uma equipe multidisciplinar a serviço da indústria (apicultura e agricultura), que também são parceiras na pesquisa”, revelou Souza.
Reconhecido internacionalmente por seu trabalho no campo de robótica e engenharia ambiental, Paulo Souza está empenhado em expandir seu trabalho no Brasil e unir esforços com grupos de pesquisa brasileiros. “Tenho conversado com vários pesquisadores brasileiros a respeito da expansão do estudoEstou planejando iniciar em dezembro próximo uma iniciativa que possibilitaria disponibilizar o sistema integrado para pesquisadores mundo afora. Fomos procurados por pesquisadores de 26 países, mas se iniciarmos algo deste porte, será pelo Brasil. Para tanto, é preciso entender as demandas dos grupos brasileiros e como um exercício coordenado de pesquisa pode contribuir para a formação de novos profissionais da área, auxiliar a indústria e a melhor formulação de políticas públicas e, mais importante, ajudar as abelhas”, disse.

Grão de areia
O microssensor usado na pesquisa é um minúsculo quadrado do tamanho de 2,5 milímetros com cinco miligramas de peso. “A abelha pesa 105 miligramas em média. É como se ela passasse a carregar uma mochila nas costas. Observamos que o chip reduz em um terço a capacidade dos insetos de transportar néctar e pólen, mas não os impede de trabalhar normalmente”, explicou. O tamanho, porém, impossibilita que o dispositivo seja instalado em insetos menores, como mosquitos e, por isso, o grupo de Paulo de Souza já trabalha numa nova geração de microssensores do tamanho de um grão de areia, ou seja, um décimo de milímetro. Esses novos chips também serão capazes de medir temperatura, umidade, insolação, armazenar essas informações, ter uma bateria, gerar a sua própria energia de manutenção e transmitir as informações sem fio. Este equipamento será testado no experimento que está desenvolvido na Amazônia.
O atual microssensor tem uma memória de armazenamento de meio milhão de bytes, capacidade suficiente para guardar dados a cada segundo por quase uma semana, uma antena wi-fi e uma bateria. As informações sobre o movimento das abelhas captadas pelo chip são retransmitidas para uma série de antenas instaladas no entorno da colmeia, que, por sua vez, as transferem para um centro de controle. Com os dados coletados no campo, os pesquisadores constroem um modelo tridimensional da movimentação dos insetos que os permite estudar se eles estão agindo naturalmente ou se, por algum motivo, estão desorientados, não retornando às colmeias.
(Edna Ferreira / Jornal da Ciência)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Identifique-se e poste o seu comentário e logo abaixo, o seu e-mail para um possível retorno.