terça-feira, 12 de abril de 2011

Parlamentares da Amazônia devem recorrer a bases científicas antes de votar Código Florestal


Parlamentares da Amazônia que estão às voltas com a polêmica votação do novo Código Florestal devem ler mais sobre o assunto, consultar estudos científicos e assim formar opiniões pensando no melhor para a região e para o país e não nos votos que poderão alcançar.

Esta é a opinião de José Antônio Aleixo, secretário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entidade que elaborou um sumário para servir de base científica aos deputados federais, antes destes votarem o novo Código Florestal.

"O projeto é super polêmico, está dividindo o Congresso e até mesmo deputados e senadores dentro dos próprios partidos. É uma prova evidente de que precisa de aperfeiçoamento e, antes de tudo, bom senso e acordo entre ruralistas e ambientalistas", declarou Aleixo, em entrevista ao portal acrítica.com.

O cientista sugere que instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), apontada por ele como referência internacional, passe a ser consultada pelos parlamentares.

Para Aleixo, votar o substitutivo do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB), neste momento, seria precipitado devido à falta de acordo entre os grupos que defendem as alterações e os que questionam a maneira como estas sendo feitas.

Nesta semana, o próprio presidente da Câmara Federal, Marco Maia, declarou que o relatório só será votado após acordo entre as opiniões que atualmente são divergentes.

Aleixo é doutor em biometria e manejo florestal, professor do departamento de Ciência Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco e coordenador do grupo de trabalho da Academia Brasileira da Ciência (ABC).

Quais os pontos que o senhor poderia destacar nas indicações apresentadas no sumário da SBPC?

Nosso sumário executivo foi publicado no site da SBPC (www.sbpcnet.org.br) em um momento em que o documento final ainda estava sendo escrito, mas de forma geral, ele dá uma indicação do conteúdo do documento.

Basicamente, apresenta como pontos relevantes os seguintes tópicos: Potencial uso da terra, Biodiversidade, Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais, Serviços ambientais e produção agropecuária e Ambientes urbanos.

Qual o caminho para se chegar a um acordo, sem que os interesses dos dois lados (ruralistas e ambientalistas) sejam totalmente comprometidos?

O caminho é a racionalidade baseada nos aspectos científicos, econômicos e ambientais com sustentabilidade. Tentar impor a posição de um determinado segmento quer seja ruralista ou ambientalista, significa mais ganho para setor e mais perda para outro, o que não é bom para o país, pois agricultura e meio ambiente são indissociáveis.

Como isto pode ser alcançado?

É crucial não se curvar aos interesses baseados em eventuais lucros marginais imediatistas, que poderão levar a impactos negativos e irreversíveis que possam advir de sua aplicação.

O acordo é possível e as partes já estão conscientes que sem um acordo os prejuízos serão maiores. Esse acordo que antes parecia impossível já é visto como a possível solução para o problema. 

O país cresceu em termos populacionais, a demanda por alimentos aumenta a cada dia, mas essa demanda não pode ser atendida sem considerar a capacidade de suporte dos solos e os possíveis impactos ambientais advindos de uma expansão agrícola. Ainda tem os aspectos legais que quando não são obedecidos resultam em multas que podem inviabilizar a produção agrícola. A solução é complexa, mas é possível, ambas as partes têm que ceder para no final saírem ganhando.

Como seria possível construir um novo modelo agrícola sem agravar ou aumentar o desmatamento?

Aumentando a produtividade das culturas agrícolas. Para isso o país possui a Embrapa e uma rede de instituições de pesquisa estaduais no setor agrícola, sem contar com o suporte das Universidades que possuem excelentes cursos de graduação e pós-graduação e outros institutos de pesquisa, como é o caso do Inpa.

Aumentando a produtividade, isto é, maior produção por unidade de área, certamente, se vai precisar de menos terras para plantar e, consequentemente, o desmatamento será atenuado, mesmo que o setor agrícola se torne mais produtivo.

É relevante considerar que é possível auferir renda não apenas da área de uso alternativo das propriedades, compartimento que abriga as atividades agrícolas tradicionais (cultivos, atividades pecuárias e silviculturais e suas combinações), ou seja, é possível mesmo na legislação vigente, obter rendimento em APPs e RLs. Existem tecnologias já disponíveis para esse tipo de atividade nos diversos biomas brasileiros.

É importante oferecer oportunidades de incentivo à aplicação ampla desse tipo de atividade produtiva, no âmbito das cadeias dos produtos associados e que permitirá conciliar sua conservação com o seu uso econômico com benefícios sociais. 

Quais os pontos do projeto do deputado que o senhor e/ou a SBPC consideram positivos e negativos (os mais relevantes)?

Dependem de que lado você enxerga o substitutivo. Para os ruralistas, está excelente, já para os ambientalistas está um desastre. Nós não olhamos o projeto tomando partido, procuramos analisar o documento à luz da ciência disponível no momento. Citar pontos positivos e negativos não é uma tarefa fácil.

Mas diria que o que existe de mais positivo no projeto foi mostrar ao país que existe um código florestal que precisa de ajustes à realidade atual, mas que por outro lado a solução não é o projeto do deputado, pois se o fosse, não haveria tanta polêmica. 

Qual o papel da ciência nos debates da aprovação do novo Código Florestal?

Fala-se muito que os dois projetos de código florestal existentes (1934 e 1965) não tiveram suporte científico o que é uma inverdade. O decreto 23793, de 22 de janeiro de 1934, foi liderado pelo melhor silvicultor da época o Agrônomo Navarro de Andrade.

Já a Lei 4771, de 15 de setembro de 1965, contou com a colaboração dos cientistas Heládio do Amaral Mello e Roberto Melo Alvarenga do Serviço Florestal de São Paulo, portanto a ciência estava presente.

Entretanto, a própria ciência mudou vertiginosamente, novas ferramentas tecnológicas foram desenvolvidas, procedimentos científicos aperfeiçoados, computação, melhoramento genético, biotecnologia, entre outros.

Sendo assim o papel da ciência nos debates do Código Florestal é fundamental, pois pode mostrar aos parlamentares que talvez a ciência não seja a solução para o código florestal, mas o código florestal não terá solução sem o envolvimento da ciência atualizada.

Qual a contribuição do sumário da SPBC e da ABC para os debates sobre o código florestal?

A SPBC e a ABC criaram um grupo de trabalho para estudar a fundo com fundamentação científica e tecnologia a realidade do código florestal e seu substitutivo.

Um sumário executivo foi apresentado aos deputados em um encontro organizado pela bancada ambientalista, mas que teve a presença de deputados ruralistas.

Também apresentamos o sumário em uma comissão do senado. O documento completo estará pronto muito em breve e será encaminhado para todos os congressistas e alguns ministros ligados ao assunto. Nossa expectativa é que a contribuição da SBPC e ABC possa influenciar na tomada de decisão dos congressistas.

A ciência tem condições de contribuir em vários momentos e níveis no assunto. Na interpretação da pertinência científica de aspectos da legislação e das propostas de aperfeiçoamento, subsidiando questões de ordenamento territorial, oferecendo opções de monitoramento cada vez mais próximas à realidade vigente, e oferecendo opções, cada vez mais adequadas, de técnicas de manejo para conservação em uso de áreas de APP e RL, e para atividades agrícolas em áreas para a sua destinação.

Informações encontradas no site da agência Câmara apontam que o dispositivo do deputado Aldo Rebelo pode ser votado ainda este mês. O senhor acha que isto seria precipitado neste momento?

Se existe um grupo querendo aprovar a todo custo o projeto e outro tentando evitar tal aprovação com o mesmo empenho, é uma prova que algo está errado. Sinceramente, acho que o governo poderia tentar resolver alguns problemas de ordem jurídica, talvez adiando algumas penalidades.

Desta forma se teria mais tempo para se construir um código florestal atualizado e com a participação de todos os segmentos, ruralistas, ambientalistas, Ongs, academia, etc. Acho que votar agora é precipitado. Se for aprovado como está, vai gerar sérios problemas com os ambientalistas. Se for para votação e não for aprovado, vai colocar na ilegalidade um grande número de produtores rurais. Esta é a melhor solução?

Fonte: Portal A Crítica (AM)


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