sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"O País tem que aproveitar o conhecimento gerado nas universidades"


Entrevista com o presidente da Anpei, Carlos Eduardo Calmanovici.

Quando o assunto é inovação, o Brasil precisa de um plano amplo e estruturado, pensando em resultados a médio e longo prazo. Essa é a opinião do engenheiro químico, Carlos Eduardo Calmanovici, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). Para ele, o País avançou no que se refere a instrumentos que possam incentivar a inovação, porém o sistema é insuficiente e precisa de soluções rápidas.

Recente pesquisa apontou que o Brasil melhorou sua posição no ranking de inovação, mas ainda ocupa a 47ª posição. O que falta para que o País incorpore de vez a inovação? 
O Brasil representa, hoje, uma das maiores economias do planeta, podendo chegar à 5ª posição num horizonte bastante curto. Não podemos aceitar essas posições intermediárias de inovação com naturalidade. O que fazer? Precisamos de um plano amplo e estruturado, com visão de médio e longo prazo. Mais do que isso, precisamos de um plano ousado, um compromisso de todos os atores, governo, empresas e academia. Temos que construir projetos nacionais estruturados, amplos e ambiciosos em áreas estratégicas para o País e com real impacto melhoria da qualidade de vida da população. Estamos falando de áreas como saúde, energia, infraestrutura... O governo precisa assegurar um ambiente macroeconômico mais favorável em que as empresas sejam estimuladas a inovar e crescer. Mas cabe às empresas quebrar paradigmas e perceber, de uma vez por todas, que, apesar da inovação ser uma atividade de risco, não inovar é mais arriscado ainda.

Ainda nesta linha: o governo vem nos últimos anos implantando políticas visando a inovação, como a Lei de Inovação e a Lei do Bem, além do aumento do volume de recursos. A Anpei considera essas medidas suficientes? 
Os instrumentos evoluíram muito nos últimos anos. No entanto, todo esse sistema ainda é insuficiente frente às nossas pretensões. Se quisermos maior protagonismo internacional, teremos que evoluir. E rápido. A insuficiência dos instrumentos fica evidente pelo baixo número de empresas que têm acesso aos estímulos da lei. Não que não sejam bons, mas, acho que muitos dos instrumentos foram estabelecidos a partir de uma perspectiva acadêmica e não se encaixam, necessariamente, nas necessidades das empresas. A dinâmica de editais, por exemplo, tem que ser repensada. Mas, temos hoje um marco legal que já funciona e isso é muito positivo. Temos que trabalhar a partir do que já existe e melhorar. Isso pode ter impacto enorme na aceleração do processo de inovação. Pode ser uma ajuda importante para que essa transformação cultural de inovação tenha ritmo mais acelerado no Brasil.

Muitas vezes se ouve que falta as empresas fazerem a parte delas no processo de inovação. O senhor concorda? 
As empresas brasileiras são inovadoras e serão cada vez mais inovadoras. Há vários programas e exemplos de empresas brasileiras inovadoras, extremamente inovadoras. Mas, ainda é pouco. Precisamos de mais exemplos, mais empresas entendendo a necessidade de inovar. As empresas brasileiras competem num cenário internacional extremamente desafiador, mesmo atuando apenas no Brasil, sofrem concorrência de produtos internacionais. A sociedade também está evoluindo, pedindo mais inovação, mais produtos avançados, de alto desempenho.

A maioria dos mestres e doutores é absorvida pela área acadêmica e não por empresas. Como reverter esse quadro? 
Assim como as empresas, a Academia está evoluindo também. Existe um esforço claro, um desejo forte de cooperação. Mas, temos que evoluir na mesma velocidade e de forma consistente. A inovação estava muito limitada à agenda científica e agora passa a ter importância cada vez maior na agenda econômica. Não estamos mais falando de invenções de laboratório ou de ciência. Estamos falando de inovação como elemento fundamental de competitividade para o Brasil. Com isso, ganhamos novas responsabilidades nesse processo. Não basta ter uma tecnologia bonita, interessante do ponto de vista científico. É necessário que essa tecnologia agregue valor, que essa tecnologia dê uma posição de competitividade, ou represente uma oportunidade competitiva diferenciada para quem a desenvolveu ou para quem a utiliza. Ou seja, entendo que as empresas precisarão cada vez mais de profissionais qualificados, extremamente bem preparados do ponto de vista técnico, mas que tenham, também, um entendimento das necessidades do mercado e da competitividade das empresas.

Que características deve ter o profissional que "entra" no processo de inovação dentro de uma empresa? 
Profissionais qualificados, especialistas e com forte conhecimento técnico e que tenham, ao mesmo tempo, a capacidade de entender a dinâmica dos mercados. Estamos falando, portanto, de verdadeiros empreendedores, de profissionais flexíveis e dispostos a sonhar e a defender seus sonhos, mas que também tenham pragmatismo e objetividade para implementar novas ideias, tornando esses sonhos realidade.

Como o senhor vê a relação universidade-empresa? 
É muito importante para garantir o avanço da inovação no Brasil. O conhecimento científico e tecnológico está concentrado na academia e o País tem que aproveitar o conhecimento gerado nas universidades brasileiras. É mais do que uma oportunidade, é uma obrigação. Esse conhecimento tem que retornar para a sociedade e se desdobrar em melhorias concretas para a população. E esse conhecimento retorna para a sociedade através das empresas justamente, através das inovações que agregam valor à sociedade. Nosso desafio é desenvolver os caminhos que garantam transferência de conhecimento de maneira justa e eficiente.

A universidade deve ser vista como parceira ou como prestadora de serviço nesta relação? 
A universidade é claramente uma parceira potencial da empresa. E vice-versa. Mas a prestação de serviços é uma modalidade de interação importante. Pode ajudar principalmente em está-gios iniciais dos assuntos, por exemplo; pode ajudar a estruturar projetos mais consistentes e, talvez, mais aderentes às necessidades dos parceiros. Nenhuma abordagem deveria ser descartada ou desqualificada a priori no meu entendimento, mas a prioridade é para parcerias. É assim que teremos mais chance de valorizar os conhecimentos da acade-mia em inovações.

Para finalizar, quais as perspectivas quanto à inovação no País? 
Temos todos os elementos necessários para avançar fortemente na agenda da inovação. Temos geração de conhecimento de qualidade na academia, um governo sensível e preocupado com a questão da competitividade da indústria brasileira e empresas inovadoras que buscam es-paço cada vez maior, tanto no contexto nacional quanto no internacional. O mundo está em transformação e precisamos aproveitar o momento que o Brasil vive. Nosso protagonismo nesse processo depende de nós mesmos.

Fonte: Ascom da FAI-UFSCar

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