quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Reflexões sobre o Programa Ciência sem Fronteiras


Artigo de Nagib Nassar 

Nenhum projeto cientifico brasileiro recebeu tantas criticas da mídia estrangeira como foi o recém lançado Programa Ciência sem Fronteiras. Ele foi alvo de muitas controvérsias dos cientistas que atuam na área. A renomada revista Science Development publicou ainda comentários da comunidade cientifica brasileira em seu último número na semana passada. ¨Não fomos consultados. O projeto nem sequer foi discutido pela comunidade científica,¨ disse o cientista Celso Pinto de Mello, presidente da Sociedade Brasileira de Física.

O mais importante deste recém programa é seu reflexo negativo e consequências sobre programas de pós-graduação no País. Há muito medo de que os programas de mestrado e doutorado nacionais fracassem. São programas que se estabeleceram nos últimos vinte anos como exemplo pioneiro em toda a América Latina, em todos os países emergentes e em até alguns países europeus. O próprio ministro Mercadante é um graduado que se beneficiou desses programas, recebendo seu doutorado no ano passado (2010) de uma universidade brasileira e de um programa de pós-graduação brasileiro em Campinas.

Se a recém política de formar estudantes brasileiros no exterior e em universidades estrangeiras foi adotada nos últimos vinte anos, deixando programas nacionais fracos, frágeis e despreparados, o próprio ministro não teria sido capaz de se pós-graduar. Foram mais de 20 mil doutores formados no referido período em todas as áreas, com produção científica notável. Graças à política de fortalecer programas de pós-graduação no País, o Brasil está sendo seguido e imitado por muitos países. Se existisse uma política de dedicar um volume de recursos tão grande para enviar alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado, a capacidade nacional de formação de recursos humanos científicos e de pesquisadores não poderia ser como está atualmente.

O que mais surpreendeu aos observadores foi o fato de a comunidade científica não ter sido sequer consultada. Ela foi totalmente ignorada. A notícia sobre esse programa surpreendeu ainda a mídia brasileira. É fácil se notar que a ideia de capacitar mestres, doutores e ate iniciação científica no exterior é contra os planos e o pensamento da fundação Capes, manifestados pelos seus dirigentes em várias ocasiões nos últimos anos. O Brasil deve rever esta decisão e este programa. O congresso brasileiro deve discutir e chamar o público científico e a sociedade cientifica brasileira a opinar, analisando os dados preparados pelos órgãos competentes, e discutir, os detalhes que servem como base para qualquer modificação.

De acordo com a Capes, somente no último ano, a qualificação de um estudante de doutorado nos EUA custa três vezes mais do que no Brasil. Não apenas isso, mas trata-se de estudantes brasileiros resolvendo problemas e assuntos vinculados a estrangeiros. São problemas que interessam aos seus supervisores no exterior e não a realidade brasileira.

Há ainda o problema de drenagem cerebral nacional. Isto se refere aos doutores brasileiros formados no exterior que preferem não voltar ao País, pois viverem a vida americana e européia e sonham com ela, e até assuntos de suas teses trataram com realidade distante do Brasil. Aquisição de experiências estrangeiras e apoio ao programa nacional ao mesmo tempo pode ser resolvida por programas doutorado sanduíche ou com o convite a cientistas estrangeiros mais distintos para transferir suas experiências ao amplo público de pós-graduandos brasileiros. Isto será feito dentro da realidade brasileira. Infelizmente, tudo isso não tem o peso que merece neste programa recém lançado.

Até princípios sociais, como inclusão social foram deixados a parte. Enviar aluno de iniciação científica ao exterior será possível somente aos alunos da classe media alta que tiverem oportunidade de estudar língua estrangeira. Há ainda o reflexo negativo sobre sua formação e construção do senso integrado da cidadania em estudantes da iniciação cientifica nesta fase precoce da sua vida. Eles devem viver problemas de seus pais antes de serem missionados ao exterior. Cientificamente eles não cristalizaram ainda uma visão científica nem definiram sua linha de estudo. Não há fruta que possa ser coletada de tantos gastos sobre alunos de graduação no exterior.

Referências:
Brazil stirs controversy with foreign study scheme
JC 4057 O quadro cientifico no Brasil, artigo de Nagib Nassar
JC 3687
20. Capes e a política de captação no exterior, artigo de Nagib Nassar

Nagib Nassar é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). Seu trabalho diminuiu fome na Africa, o mesmo pode acontecer no Brasil.http://www.idrc.ca/en/ev-158433-201-1-DO_TOPIC.html.

Fonte: JCEmail.

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