segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Avanço da energia eólica afeta biomassa



Usineiros e especialista dizem que competição com centrais eólicas é desigual devido a incentivos do governo. Produtores de energia eólica surpreenderam no último leilão. 

O sucesso da energia eólica nos leilões do governo está incomodando os produtores de biomassa e provocando uma disputa entre os geradores desses dois segmentos. Para os produtores de biomassa, é desigual a competição entre a energia produzida com o vento e a resultante da queima do bagaço da cana-de-açúcar. 

"Só a energia eólica tem financiamento do Banco do Nordeste [BNB] de pai para filho", diz Zilmar de Souza, assessor de bioeletricidade da Unica (associação dos produtores de cana), lembrando que a maioria dos projetos de bioeletricidade está no Centro-Sul do país. 

Das 70 centrais eólicas contratadas nos leilões de fontes alternativas da semana passada, 55 estão no Nordeste. Só 12 projetos de biomassa foram selecionados. O preço médio da energia eólica contratada ficou em R$ 130,86 por MWh, ante R$ 144,20 da biomassa. 

Além do custo diferenciado nos financiamentos, Souza diz que incentivos fiscais para a instalação de usinas no Nordeste tornaram a energia eólica mais barata. O Rio Grande do Norte, por exemplo, oferece isenção de ICMS às empresas do setor. 

"Existe uma competição entre fontes diferentes que têm custos e localizações diferentes", afirma Nivalde de Castro, coordenador do Gesel (grupo de estudos do setor elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro). 

Já Ricardo Simões, presidente da Abeeólica (associação brasileira de energia eólica), diz que o grande financiador desses projetos é o BNDES, que também apoia as usinas de cana. "Eventualmente há um financiamento do BNDES mais BNB, mas não vejo muita diferença no custo dos projetos nesse aspecto", afirma. 

Efeito crise 

Segundo Simões, o ganho de competitividade da energia eólica no país está diretamente relacionado à crise econômica. "Na Europa, o setor está estagnado, e os fabricantes de equipamentos viram o Brasil como a nova fronteira no setor", diz. 

Com o aumento da oferta pelos fabricantes e a queda do dólar, o preço dos equipamentos -que representam de 70% a 80% do custo da energia eólica- caiu. Além disso, os produtores de eólica assumiram taxas de retorno menores em seus empreendimentos. "As nossas margens estão inferiores às de biomassa", diz Simões. 

Castro, da UFRJ, afirma que, como a maioria dos projetos de eólicas tem grandes grupos internacionais por trás, como Iberdrola e Suez, é mais fácil assumir margens mais apertadas em nome de preservação do mercado. 

Potencial 

Estima-se que há, no campo, potencial para produção de energia elétrica equivalente a uma Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo, com 14 mil MW de capacidade. Mas a participação dos derivados de cana na oferta de energia pouco avançou nas últimas décadas. Passou de 13%, em 1984, para 18%, no ano passado, segundo dados do "Anuário de Energias Renováveis" da AgraFNP, lançado nesta semana. 

Para José Goldemberg, especialista em energia e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, faltam incentivos para a bioeletricidade. "O governo deveria encorajar a modernização das usinas, dando condições para o setor introduzir a energia de biomassa a preços mais baixos no mercado", afirma. Hoje, das 434 usinas de cana instaladas no Brasil, apenas 100 exportam energia elétrica para o sistema. 

Usineiros precisam reduzir as margens em biomassa, diz EPE 

Os produtores de cana precisam reduzir a expectativa de retorno dos projetos de bioeletricidade para oferecer energia a preços mais baixos. A avaliação é do presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Maurício Tolmasquim. 

"Não se pode querer o mesmo retorno de uma commodity, como o açúcar, em uma atividade que oferece uma receita estável, como o setor elétrico", afirma. 

Para Tolmasquim, como a geração de energia a partir da biomassa é um subproduto da atividade principal das usinas -produção de açúcar e álcool-, o resultado da atividade em bioeletricidade funciona como um "hedge" (espécie de seguro) de receita para o setor. 

Portanto, ele sugere que os usineiros não podem esperar a mesma margem da venda de commodities. "A venda de energia é quase uma aplicação em renda fixa", compara. 

Ele rebate as insinuações de que existem subsídios para a produção de energia eólica no Nordeste. "O financiamento que o BNDES oferece é excelente", argumenta. 

O resultado dos últimos leilões de fontes alternativas, diz Tolmasquim, revelou uma "evolução extraordinária" da energia eólica, com preço mais atrativo do que as térmicas a gás, a R$ 140 o megawatt-hora (MWh). 

O presidente da EPE garante que a produção de energia a partir da queima do bagaço e da palha da cana-de-açúcar tem espaço garantido na matriz energética brasileira. "Seria uma irracionalidade não aproveitarmos o potencial energético da cana." 

Tolmasquim afastou a possibilidade de o governo fazer leilões separados para diferentes tipos de energia alternativas, a fim de evitar uma disputa direta entre as fontes. "Fontes distintas em um mesmo leilão evitam que conluios possam ser formados", afirma. 

(Tatiana Freitas)

Fonte: Jornal da Ciência/Folha de SP

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