sábado, 5 de fevereiro de 2011

Brasil investe para dominar processamento de urânio


País não executa hoje a etapa intermediária do processo

O governo vai investir R$ 3 bilhões na construção de duas fábricas para realizar no país 100% do processo de geração de combustível de urânio, matéria-prima das usinas nucleares. Dono de uma das maiores jazidas de urânio do mundo, o Brasil só executa hoje a etapa inicial desse processo - que é a extração do minério no solo - e parte das etapas finais, que envolvem o enriquecimento e a transformação do urânio em cápsulas de combustível. Falta dominar uma fase intermediária ligada à conversão do minério em gás, condição crucial para que ele seja enriquecido. Hoje esse trabalho é enviado para empresas do Canadá e da França.

"Vamos tocar esses projetos. A estimativa é de que nossas reservas de urânio sejam de 1,1 milhão de toneladas. Com uma reserva tão grande como essa, temos que desenvolver essas etapas de tratamento e enriquecimento no país", disse ao Valor o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.

Hoje o país já realiza uma etapa de enriquecimento em uma fábrica de Iperó, no interior de São Paulo. A estrutura, no entanto, só consegue atender 14% da demanda de enriquecimento da usina de Angra 1, segundo Alfredo Tranjan Filho, presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). "O tratamento dos demais 86% de combustível de Angra 1 é feito fora do país, além de 100% do que é utilizado por Angra 2", disse Tranjan.

Com o investimento nas fábricas, previsto para ocorrer ao longo de oito anos, a INB calcula que o país terá capacidade plena de atender as demandas de urânio de Angra 1 e 2 - atualmente as únicas usinas nucleares do país em operação - e Angra 3, que deve começar a operar comercialmente em 2015.

"As reservas de urânio do Brasil são estimadas em US$ 100 bilhões, é um pré-sal de energia, sem as dificuldades do fundo do mar", comentou Lobão.

A meta de fechar o ciclo de exploração e utilização do urânio faz parte de um grande pacote de iniciativas que o governo prepara para o setor de energia nuclear. O Palácio do Planalto está preocupado em ampliar a identificação e a exploração de novas jazidas, função que é monopólio da União. Para isso, vai mexer com o marco regulatório do setor, alterando regras de exploração mineral. Uma das mudanças prevê que, ao encontrarem jazidas de urânio, companhias que estejam explorando outros minérios informem imediatamente a União sobre o achado.

Hoje, segundo o ministro Edison Lobão, é comum a situação em que uma companhia que está explorando outros minérios, como o de ferro, por exemplo, não informe o governo sobre a descoberta de urânio, para que sua exploração não seja interditada pelo governo. "Com a nova regra, essa negligência será considerada crime", disse Lobão. "Se a jazida de urânio encontrada for muito maior que o mineral explorado pela empresa, podemos pagar uma indenização para ela. De outra forma, poderemos também propor uma exploração em parceria."

Atualmente, a exploração de minas de urânio no país é função exclusiva da INB. Uma única mina no país, localizada em Caetité (BA), está em atividade. Uma segunda mina em Santa Quitéria (CE) aguarda licenciamento ambiental e nuclear para iniciar as atividades. Segundo Lobão, o governo vai incentivar a entrada de empresas privadas no setor. Na mina de Santa Quitéria, onde há uma grande jazida de fosfato, foi fechada uma sociedade para exploração entre a INB e a empresa Galvani Mineração.

Calcula-se que existam 7 milhões de toneladas de urânio no planeta. Hoje, com uma reserva conhecida de 310 mil toneladas, o Brasil já ocupa a 6ª posição no ranking mundial de urânio, atrás de Mongólia, Estados Unidos, África do Sul, Canadá e Rússia. Se for confirmado o prognóstico de deter 1,1 milhão de toneladas do minério, o país seria alçado à condição de uma das maiores potências mundiais, com forte capacidade para exportação do urânio, inclusive, já beneficiado.

Para atender as usinas de Angra 1 e 2, a produção anual do país é de 400 toneladas de concentrado de urânio. A meta do governo é multiplicar esse volume por quase cinco vezes até 2015, chegando a 1.900 toneladas anuais, quando Angra 3 entrará em operação.


Essa retomada dos projetos ligados à energia nuclear também passa pela criação da Agência Reguladora Nuclear. O tema, segundo o ministro Edison Lobão, é uma das prioridades do Ministério de Minas e Energia e vem sendo analisado pela presidente Dilma Rousseff, que decidirá sob que guarda-chuva estará vinculada a nova agência.

Hoje, a fiscalização do setor fica a cargo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. A autarquia, no entanto, é dona da INB, responsável pela mineração e beneficiamento do urânio e fabricação dos combustíveis, e pela Nuclep, empresa pública que fabrica equipamentos pesados de exploração. "Não há nada decidido sobre isso. De qualquer forma, vamos trabalhar de forma coordenada com o MCT quanto à definição das políticas do setor", comentou Lobão.

Para Aquilino Senra, especialista no setor e vice-diretor da Coppe, pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o setor padece de uma gestão centralizada. "Naturalmente há conflito, se uma mesma instituição tem a função de regular o que desenvolve", disse. "Há uma unanimidade quanto à criação de uma agência reguladora independente, isso já se discute há oito anos. Esperamos que agora realmente aconteça."

Para ambientalistas, é melhor investir em fontes renováveis

Apesar dos investimentos previstos pelo governo no setor e o aumento da segurança nas usinas, a produção de energia nuclear no Brasil ainda encontra resistência de ambientalistas e especialistas no assunto. O discurso contrário ao crescimento dessa matriz é o alto custo de construção de usinas, a falta de destino para o lixo atômico e o risco de acidentes e vazamentos.

A saída, segundo especialistas, é investir em outras fontes renováveis, como eólica e solar, que trazem poucos riscos ao ambiente. "Tenho a plena convicção que o Brasil tem um enorme potencial de geração de energia elétrica a partir da solar e eólica", disse Heitor Scalambrini Costa, doutor em energética e mestre em ciência e tecnologia nuclear pela Universidade Federal de Pernambuco.

O uso de energia nuclear teve início depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A geração de energia por fissão nuclear viveu uma fase de forte expansão mundial na década de 70 e meados de 80, processo que foi interrompido com os acidentes em Three Mile Island, nos EUA, e Chernobyl, em 1986, na antiga União Soviética.

"A segurança aumentou após os acidentes, mas ainda não é livre de riscos", disse o coordenador de energia do Greenpeace, Ricardo Baitelo. Um possível vazamento, segundo ele, pode afetar uma grande área. "O perigo total, entre vazamentos e depósito de lixo nuclear é grande. No acidente com Césio-137 em Goiânia, o equivalente a meia xícara de café do composto demonstrou um alto poder de contaminação radioativa. O risco pode ser pequeno, mas o impacto causado é grande", disse Baitelo.

Nos últimos anos, a retomada de projetos nucleares ganhou força com a perspectiva de ser uma alternativa mais "limpa" ao não emitir gases de efeito estufa durante a produção de energia. Depois dos acidentes na década de 80, os processos de segurança foram revistos e os riscos de catástrofes foram sensivelmente minimizados, embora ainda exista risco.

A destinação do lixo atômico é outro problema. O tratamento do resíduo se prolonga por milhares de anos, ou seja, é um ônus para gerações futuras. Para se ter uma ideia do que isso significa, atualmente os Estados Unidos analisam um método experimental de tratamento para reduzir essa atividade a 300 anos, alternativa que ainda custaria 10% da energia produzida. "O lixo atômico é o pior dos problemas da geração de energia nuclear. Nós não precisamos dessas usinas", disse Baitelo.

Para os especialistas, a escolha do Nordeste para instalação das usinas é um erro, dada a capacidade da região em produzir energia por meio de outras fontes. "A instalação não se justifica. A região é uma gigantesca fonte não explorada de geração solar e eólica", comentou Heitor Scalambrini Costa.

Segundo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, já há métodos avançados na França para tratamento do lixo nuclear. "Os franceses já estão utilizando um método de reciclagem do próprio rejeito nuclear para gerar energia. Essa questão já está absolutamente resolvida", comentou.

Segundo Leonam dos Santos Guimarães, assistente da presidência da Eletronuclear e membro do grupo permanente de assessoria do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), 95% desse lixo - urânio não usado no ciclo de queima - pode ser reutilizado para gerar energia. Os demais 5% precisam ser acondicionados por pelo menos dez anos em piscinas para resfriamento.

Outro ponto destacado pelos defensores da energia nuclear diz respeito à pequena quantidade de combustível de urânio utilizada para geração de energia. Os estudos apontam é preciso queimar 100 toneladas de carvão de boa qualidade para gerar a mesma energia que apenas um quilo de urânio enriquecido é capaz de fornecer. Com dez quilos do combustível nuclear se gera energia equivalente a de uma tonelada de petróleo. "Esse assunto foi politizado por meio tempo e associado a governos ditatoriais", disse Guimarães. "Está na hora dessas posições serem revistas. A energia nuclear é um caminho para o país ter energia firme, durante todo o tempo, sem as oscilações de geração comuns a outras fontes." (André Borges e Tarso Veloso)

Fonte: Valor Econômico

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