segunda-feira, 16 de maio de 2011

Presidente da SBPC fala sobre desafios da ciência


O Brasil está mudando e tem tudo para dar certo, diz Helena Nader.

Atual presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), a bióloga Helena Bonciani Nader concedeu entrevista ao LNCC Notícias para falar sobre as atividades, objetivos e propostas para implantação de projetos da instituição, que em junho completa 63 anos.

Ela está no cargo desde 21 de fevereiro último, quando assumiu a SBPC após Marco Antonio Raupp deixar a presidência para assumir a Agência Espacial Brasileira (AEB). Com a ascensão, Helena Nader ingressou no seleto grupo de mulheres que presidiram a SBPC. As outras duas são a bioquímica Glaci Zancan (de 1999 a 2003) e a pedagoga Carolina Bori (de 1986 a 1989).

Na entrevista, Helena criticou os cortes no orçamento da Educação e do C&T e o projeto proposto para o Código Florestal. Comentou ainda sobre oportunidades que o Brasil desfruta para dar um salto de desenvolvimento socioeducacional e falou da ExpoT&C, mostra de C&T promovida anualmente pela Assessoria de Eventos e Comunicação do LNCC.

Como uma das poucas mulheres que historicamente liderou a SBPC, de que forma a senhora avalia a participação feminina na ciência nacional?

A quantidade de mulheres na pesquisa e na pós-graduação tem crescido, é verdade. Porém, se considerarmos os cargos de gestão, esse índice ainda é baixo, pois há barreiras e faltam oportunidades para ocuparmos funções mais estratégicas nas tomadas de decisões. Essa disparidade entre mulher titulada e mulher em postos de chefia é uma realidade a ser superada também nos Estados Unidos.

A pergunta seria, então, como reverter tal realidade? Do meu ponto de vista, a solução é ir à luta mesmo, acreditar, identificar oportunidades e fazer acontecer, para contribuir nas movimentações que direcionam o futuro da C&T brasileira.

Quais são os principais assuntos que mobilizam a SBPC atualmente?

Bem, há uma lista de projetos nos quais temos nos emprenhado bastante e vamos continuar nos esforçando para alcançar os nossos objetivos, que são afinados com a necessidade do desenvolvimento do Brasil. Como são muitos, cito alguns:

- Um exemplo são os recentes cortes no orçamento do governo federal, que vão afetar a médio e longo prazos diretamente toda a trajetória do progresso em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) dos últimos anos. Isso é bastante preocupante e precisa ser revisto;

- Também estamos emprenhados para que os recursos do pré-sal fomentem grandes e sólidos investimentos na Educação, Ciência e Tecnologia, área de fundamental importância para atingirmos patamares elevados de desenvolvimento.

Obs: Pré-sal- denominação às reservas de hidrocarbonetos em rochas calcárias que se localizam abaixo de camadas de sal. É o óleo (petróleo) descoberto em camadas de 5 a 7 mil metros de profundidade abaixo do nível do mar. Trata-se de uma camada de aproximadamente 800 km de extensão por 200 km de largura, que vai do litoral de Santa Catarina (SC) ao do Espírito Santo (ES).

- Outro tópico de grande relevância é dar cada vez mais transparência ao Estado, fortalecendo a credibilidade junto à sociedade. Por isso, somos a favor das Organizações Sociais (OS´s), cujo modelo permite que os trabalhos fluam de forma mais tranquila, sem amarras burocráticas. No Brasil, o Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), a TV Educativa do Rio de Janeiro e parques tecnológicos são exemplos de gestões por OS´s.

- Mais um assunto que merece destaque e dedicação da SBPC é o direito da mulher de interromper a gravidez de risco, quando o feto não tem cérebro, o que é uma recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Neste caso, o bebê nasce morto ou vive por muito pouco tempo, enquanto a gestante corre sério perigo de morte.

- Há, ainda, o debate sobre a violência e a circulação de armas no Brasil, inclusive por meio de Grupo de Trabalho, que discuta a cidadania e o papel da mídia na cobertura de situações críticas de violência.

- Por fim, gostaria de citar a parceria entre a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em prol de mudanças no Código Florestal propostas no substitutivo ao Projeto de Lei (PL) no 1.876/1999 e demais PLs a ele apensados. Almejamos dar embasamento técnico e científico capazes de aperfeiçoar o Código.

Diante do presente cenário de investimentos destinados à C&T, quais áreas a senhora acredita que mereçam ainda mais atenção das instituições e autoridades competentes na tomada de decisão? A formação de recursos humanos e a comunicação pública científica seriam duas delas?

A atuação da pós-graduação nacional, na formação de mestres e doutores, está diretamente relacionada ao desenvolvimento e ao índice de produção em C,T&I, que tem alcançado um crescimento satisfatório em comparação a gerações anteriores. Além disso, os processos de avaliação da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes) também se encaixam neste quadro que favorece a melhoria das nossas pesquisas. A avaliação, a análise é processo essencial no contexto, pois permite rever atitudes para melhor planejar os projetos futuros.

Agora pergunto: onde está o gargalo? Está na educação básica. Anteriormente, o ensino público era de qualidade muito boa, porém voltado para um grupo seleto. Avançamos no que diz respeito à abrangência, pois o número de alunos atendidos pela rede pública é bem maior hoje em dia. Por outro lado, a qualidade sofreu impacto.

Acredito que o foco na boa educação deva surgir já na creche, capaz de moldar a capacidade intelectual das crianças. Trata-se de mais do que um projeto. Trata-se de um mega-projeto que nos desafia a aperfeiçoar, superar. Esta oportunidade de progresso deve ser inclusiva, no sentido de agregar todos os segmentos educacionais, pois privilegiar apenas um deles gera disparidade e desequilíbrio.

Portanto, e educação da creche à pós-graduação precisa ser uma prioridade do governo e da sociedade, motivo pelo qual a educação e a C&T não deveriam sofrer cortes de investimento. O Brasil está mudando e tem tudo para dar certo.

Já quanto à comunicação pública científica, defendo que seja uma área estratégica para o contexto da C&T, sem dúvida. Vejo a necessidade de formarmos mais jornalistas científicos e aumentarmos a abertura de espaços na mídia para temas relacionados às pesquisas e aos progressos que elas permitem à sociedade.

Há dois equívocos que entravam a área: um deles é a falta de diálogos entre os comunicadores públicos científicos e os cientistas; o outro é o sensacionalismo de ambas as partes, desprivilegiando os conteúdos principais em favor das audiências meramente quantitativas. Então, o fortalecimento das assessorias de comunicação e os investimentos nas relações entre os comunicadores e os cientistas são saídas eficazes para levarmos à população o que é produzido como consequência dos investimentos oriundos dela mesma.

Tanto a sociedade quanto a comunidade científica já se mobilizam para a 63ª Reunião Anual da SBPC, promovida entre os dias 10 e 15 de julho na Universidade Federal da Goiás, em Goiânia. A senhora poderia adiantar novidades?

Destaco a realização de três sessões especiais:

- a que será dedicada aos 60 anos de criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); outra promovida em celebração aos 60 anos de vida da Capes; e uma sessão para a 10ª edição do prêmio Péter Murányi, oferecido para autores de trabalhos que, de forma inovadora, elevem a qualidade de vida das populações nos países em desenvolvimento.

A nossa proposta é trazer o maior número possível de segmentos sociais e representantes do governo, para enriquecer o diálogo e as relações, além apresentar o que a ciência brasileira tem feito e como ela pode contribuir para a nossa vida ser melhor nos próximos anos e nas próximas décadas.

Como falamos da intercessão entre o ambiente da pesquisa e o cidadão que acompanha com menos frequência os trabalhos de C&T, pergunto à senhora as expectativas para a mostra da ExpoT&C, pelo terceiro ano consecutivo coordenada pela Assessoria de Eventos e Comunicação do LNCC.

Falar da ExpoT&C é uma grande alegria e satisfação, porque é um maravilhoso evento por meio do qual temos oportunidades de unir as mais distintas possíveis áreas da ciência e os pesquisadores de todas as regiões do País. E mais do que isso, conforme você disse, é uma ótima oportunidade para o cidadão acompanhar mais de perto o que é e como funciona o sistema de C&T brasileiro.

O perfil da mostra é tão adequado e atraente, que observamos crianças, jovens, idosos e famílias passeando pelos estandes. O interesse do público é visível: eles perguntam, dialogam, participam e se informam sobre projetos aos quais podem estar incluídos em pouco tempo.

Quando era universitária, a SBPC dispunha de poucos recursos para as reuniões, em comparação com os presentes dias. Por isso, é gratificante ver a ExpoT&C como uma evolução da Reunião Anual da SBPC. Portanto, a Assessoria de Eventos e Comunicação do LNCC está de parabéns!

Há algum tópico sobre o qual a senhora gostaria de comentar, mas deixamos de abordar na entrevista?

A minha mensagem foi transmitida. Se fosse ressaltar um tópico é o de nos esforçarmos para que os recursos do pré-sal sejam destinados à educação e C&T. A história nos oferece uma ótima oportunidade para superarmos dificuldades relacionadas a tais áreas, e devemos aproveitar da melhor forma a chance. Repito: O Brasil está mudando e tem tudo para dar certo.

Fonte: Bruno Lara - LNCC Notícias

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