terça-feira, 17 de maio de 2011

UFRN aprova obra que defende fala popular

 
Segundo o MEC, o aval ao livro que admite uso de linguagem oral com erros para estabelecer comunicação partiu de comissão de docentes potiguares.
 
Uma comissão formada por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aprovou o livro Por uma Vida Melhor, da Coleção Viver e Aprender. O livro, que chegou a 484.195 alunos de todo o País, defende que a forma de falar não precisa necessariamente seguir a norma culta. "Você pode estar se perguntando: 'Mas eu posso falar os livro?'. Claro que pode", diz um trecho.

Por uma Vida Melhor, de autoria de Heloísa Ramos, afirma que o uso da língua popular - ainda que com seus erros gramaticais - é válido na tentativa de estabelecer comunicação. O livro lembra que, caso deixem de usar a norma culta, os alunos podem sofrer "preconceito linguístico". "Fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas."

O livro foi escolhido por um total de 4.236 escolas que definiram a obra "mais apropriada a cada contexto", considerando as "propostas pedagógicas e curriculares desenvolvidas", informou o Ministério da Educação. O MEC não comenta o mérito do livro - ressalta que coube a docentes da UFRN aprovar a obra e a cada escola a decisão de adotá-la ou não nas salas.

Padrões - Em nota divulgada pelo MEC, a autora defendeu que a ideia de "correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa". Cercado pela polêmica que o livro levantou, o MEC observa que a seleção do conteúdo didático não coube ao ministério.

Os livros do Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLDEJA) são encaminhados para uma comissão, responsável pela avaliação e seleção das coleções didáticas. No caso de Por uma Vida Melhor, o debate ficou entre um grupo de docentes da UFRN. Depois de aprovadas, as obras são colocadas à disposição no Guia do Livro Didático, que funciona como uma ferramenta de orientação na definição dos títulos. O ministério arca com as despesas dos livros.

Programa - Ao tratar dos componentes curriculares, o edital do programa do Ministério da Educação previa que os alunos do segundo segmento - do 6.º ao 9.º ano do ensino fundamental, que receberam a obra - "demandam novos tipos de reflexão sobre o funcionamento e as propriedades da linguagem em uso" e "a sistematização dos conhecimentos linguísticos correlatos mais relevantes".

O edital também diz que "cabe ao ensino de língua materna, nesse nível de ensino-aprendizagem, aprofundar o processo de inserção qualificada do aluno na cultura da escrita". O MEC afirmou que até ontem não havia pedidos de devolução dos exemplares. A Editora Global informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que é responsável pela comercialização e pela produção do livro, mas não pelo seu conteúdo. Procurada, a assessoria da UFRN disse que não se pronunciaria.

'O livro é fruto da minha carreira. Escrevi o que já havia praticado'
Entrevista com Heloisa Cerri Ramos, coautora do livro "Por uma vida melhor".
 
- Foi um mal entendido?
Pegaram uma frase sem contexto. Dentro do capítulo que trata de concordância nominal e verbal, explico que, na língua oral, quando se diz "os livro é popular", entende-se que é plural. Mas, na verdade, acho que houve uma falta de aceitação. A mídia diz que a escola não produz aprendizagem, mas quando se mostra um aspecto pedagógico ou didático, ela tem posição conservadora, trata com ironia.
 
- A discussão, então, é antiga?
Sim. Há pelo menos 30 anos se fala disso entre os que se preocupam em democratizar o ensino. Talvez em um tempo em que só a elite ia para escola, a normal culta bastasse. Hoje, com o acesso da classe popular, a formação tem de ser mais ampla. E nosso livro é direcionado ao Ensino de Jovens e Adultos. Foi feito para aquele que pode ter sido discriminado por falar errado. Não defendo uma escola que fique parada na linguagem popular. Com o aprendizado, o estudante se vê como um falante da sua língua e sabe que, sem a norma culta, não terá acesso a bens culturais e conhecimentos científicos.

- O espanto, então, é por que você escreveu, colocou no papel, o que já se discute há tempos?
Sim. Acho que nenhum livro didático falou diretamente disso. Nosso livro tem a linguagem voltada para o aluno. Por isso, explicito essa questão da concordância. Recebi elogios de colegas. Muitos deles disseram que eu fui corajosa.

- E como é receber críticas de professores e de membros da Academia Brasileira de Letras?
Estou muito tranquila. Não cometi nenhum erro conceitual. O livro é fruto da minha carreira. O que eu escrevi, já havia praticado com meus alunos. E o livro também recebeu pareceres antes da publicação. Os outros dois autores da coleção e eu sempre falamos: se ninguém quiser os nossos livros, nós queremos.
 
Fonte: O Estado de São Paulo
 

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