sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A formação de professores no Brasil: retomando o debate


Artigo de Luciano Mendes de Faria Filho

A comunidade científica brasileira tem buscado interferir cada vez mais nas políticas educacionais voltadas para a escola básica, seja por estar convencida da importância da educação para o desenvolvimento econômico e social, seja por perceber a centralidade da qualidade da escola pública para a própria expansão e sustentação do desenvolvimento científico e tecnológico nacional. Este é um fato relativamente novo e de significado fundamental para a elevação da qualidade desse nível da educação pública brasileira.

Na busca da construção de uma escola pública de qualidade para todos - e não apenas para os "filhos dos outros" - uma das principais estratégias indicadas por todos os sujeitos que, individualmente e/ou em grupo, intervêm no debate, é a necessidade de uma boa formação de professores. Este não é, no entanto, um consenso novo: pelo menos desde a década de 1830, no interior de um intenso debate sobre a necessidade de expandir a escolarização no Brasil, a formação dos professores vem sendo colocada como um entrave à qualidade da escola. Não por acaso, exatamente neste momento foram criadas, no Brasil, as primeiras Escolas Normais. Desde então, as reformas educacionais têm enfatizado a formação de professores, os métodos de ensino e o currículo como elementos chaves para a melhoria da qualidade da escola.

Se o consenso a esse respeito existe há tanto tempo, porque o problema persiste e aparece com tamanha força em todos os nossos diagnósticos sobre as dificuldades e possibilidades de fazer da escola pública brasileira uma escola de qualidade? Sei que o problema é amplo e sobre ele muito já se discutiu e produziu. No entanto, gostaria de chamar a atenção para alguns aspectos que, no mais das vezes, têm sido esquecidos.

Inicialmente, cumpre lembrar que dentre as estratégias para fazer uma escola de qualidade, a formação de professores, per si, é uma das mais baratas. Ela está, por exemplo, em termos de necessidade de investimento financeiro, muito aquém dos gastos necessários com a carreira docente, aí incluído o salário, e com a construção de prédios adequados ao ensino, como se defende desde o século XIX. Soma-se a isto o fato de que, hoje, a política de formação de professores conta com uma ampla e tradicional rede de instituições a ela dedicada, à qual, continuamente conectada às modernas tecnologias de comunicação e informação, lhe dão uma abrangência e uma capilaridade fenomenais a esta mesma política.

Ou seja, se não é pelo seu impacto financeiro nas contas públicas e nem pela ausência de instituições e tecnologia a ela relacionadas que deixamos de avançar e resolver a questão da formação de professores, quais são as outras variáveis que estamos negligenciando?

Em primeiro lugar, penso que é preciso continuar repetindo: não é possível ter uma política de formação de professores que seja efetiva em relação à melhoria da qualidade da escola se esta mesma política não estiver articulada a uma política de carreira e de melhoria das condições de trabalho e de salário. Os gastos com a carreira docente, para torná-la atrativa e recompensadora, representam, de longe, o principal investimento com este serviço público em todo o mundo. Talvez isto ajude a explicar, por exemplo, porque os municípios e estados brasileiros preferem investir - discursiva e financeiramente - em formação de professores e na reforma dos currículos e negligenciam terminantemente os aspetos relacionados à carreira e às condições de trabalho docente! 

Em contraposição, alguém tem dúvida de que a inegável qualidade da universidade pública no Brasil, responsabilidade direta do poder central desde o século XIX, é profundamente devedora da carreira e de boas condições de trabalho dos docentes destas instituições? Se assim é quando analisamos o ensino superior, porque, seria diferente para os professores da escola básica? De olho na história, podemos afirmar que as políticas de formação não terão impactos significativos enquanto os professores não tiverem asseguradas condições de trabalho, carreira e salários decentes e não mais precisarem, por exemplo, sair correndo de uma escola para outra para cumprirem jornadas duplas ou triplas de trabalho diário?

Em segundo lugar, nós, vinculados ao ensino superior público e às políticas de ciência e tecnologia e, muitas vezes, a departamentos e programas de pós graduação que, de algum modo se relacionam com a formação de professores para a educação básica, temos que ter coragem de encarar certos aspectos incômodos de nossa realidade e políticas educacionais no Brasil. É muito comum, por exemplo, expressarmos a necessidade da formação de professores e nela depositarmos muitas esperanças no que se refere à elevação da qualidade da escola básica e, ao mesmo tempo, acharmos que nada temos a ver com a suas condições de trabalho e carreira. Temos demonstrado não nos incomodarmos que nosso salário seja até 10 vezes mais do que os salários médios dos professores da escola básica e que o mesmo Estado que nos paga, para mantermos a universidade gratuita de qualidade para alguns poucos, pague um salário tão ruim para aqueles que mantêm a escola pública para a imensa maioria. Os professores das faculdades de medicina, por exemplo, não parecem tão desinteressados pela sorte de seus colegas que trabalham nos serviços públicos de saúde. Porque será?

Ainda a respeito de nossa implicação com a formação dos professores, penso que é preciso que façamos uma (auto) crítica em relação à forma como nossas culturas universitária e acadêmica vêm, tradicionalmente, incorporando a formação de professores. De um modo geral os diversos departamentos de nossas universidades consideram a formação de professores uma atividade menor e atribuem ao professores muito jovens ou àqueles considerados não tão bons para competirem "cientificamente" em suas áreas segundo os modos de consagração científica a "inglória" tarefa.

No melhor dos casos, os assim chamados "bons cientistas" a ela se dedicam considerando que uma boa prática docente decorre de uma "sólida" formação científica e acadêmica dada nos moldes da formação de um "bom cientista". Desse modo, em boa parte de nossos melhores departamentos, considera-se que o bom aluno deveria escolher o bacharelado e que, por suposto, quem escolhe a licenciatura é por não ter boa capacidade intelectual para "enfrentar" o bacharelado.

A superação desta visão preconceituosa em relação aos professores da escola básica e de seus formadores, condição para ação integrada da universidade brasileira na área da formação docente, somente terá lugar se houver um reconhecimento de todos de que tão complexo quanto produzir conhecimento novos por meio da atividade científica sistemática é a "transmissão". Para sermos mais precisos, a criação de condições para uma efetiva aprendizagem desses mesmos conhecimentos por todas as crianças, adolescentes e jovens que frequentam a escola básica - e não apenas para os melhores, previamente selecionados, que frequentam nossas melhores escolas vai depender disso. Ou dizendo de outra forma: se é certo que só se ensina de forma sistemática e consciente aquilo que se sabe, também é certo o ensinar a todos requer, dentre outros, o estudos sistemático do sujeito que aprende, das condições de ensino/aprendizagem e da complexa rede de sentidos e significados culturais que favorecem e/ou dificultam o acesso dos distintos sujeitos aos conhecimentos escolares.

Assim, parafraseando Boaventura Souza Santos, para superarmos a situação de "desperdício da experiência" em que estamos hoje, é preciso uma apropriação do "conhecimento prudente" que se produz na universidade - pois que existe, sim - para uma "formação decente" dos professores. E este conhecimento vem demonstrando, sistematicamente, que saber e ensinar nem sempre constituem as duas faces de uma mesma moeda nas escolas básicas brasileiras!

Luciano Mendes de Faria Filho é professor da Faculdade de Educação da UFMG e Coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil - 1822/2022.

Fonte: JCEmail

Nota do blog - No Rio Grande do Norte, a Universidade do Estado - UERN, abraçou a missão de ser a maior formadora de mão-de-obra para a educação e dedicou a maior parte dos seus cursos ao magistério (licenciatura) e mesmo assim o Estado tem uma defasagem muito grande entre a demanda e os profissionais oferecidos ao mercado todos os anos. 

Demonstrando o grande descaso com que trata a educação, o atual governo que não paga condignamente aos profissionais contratados para levar a educação até a população, principalmente, àquela que se encontra nas classes menos favorecidas, passou a inviabilizar a Instituição, cortando orçamento, contingenciando recursos e negando correção salarial aos seus servidores. 

A prioridade do Estado, hoje, é para com a Copa do Mundo, que terá o tempo máximo de 15 dias de duração e vai deixar, de herança, uma dívida que será paga pelos potiguares durante muitos anos. Pão e circo continua sendo a política daqueles que não tem nenhum compromisso com o futuro. (Ivanaldo Xavier).

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