quinta-feira, 30 de junho de 2011

A frágil crosta do Nordeste


A espessura da superfície explica os constantes tremores de terra na região.

O estudo geofísico mais detalhado feito sobre a Província Borborema, nome usado pelos especialistas para se referir ao imenso bloco rochoso que forma boa parte do Nordeste brasileiro, revelou que a crosta terrestre ali é bem mais fina que a média global. A hipótese é que o adelgaçamento da crosta teria acontecido no período Cretáceo (entre 136 milhões e 65 milhões de anos atrás), quando a África e a América do Sul se separaram pela movimentação dos blocos que formam esses dois continentes. Nesse processo, a crosta teria se esticado naquela região como um queijo derretido que é puxado pelas extremidades. "Normalmente a crosta tem espessura em torno de 40 quilômetros. Nos Himalaias, ela pode chegar a 70 quilômetros", diz Reinhardt Fuck, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB). "Já em partes do Nordeste fica entre 30 e 35 quilômetros, chegando a menos de 30 em alguns pontos. Isso significa que essa crosta foi muito estirada, afinada pelos processos tectônicos."

A constatação é uma das mais marcantes, mas está longe de ser a única nos estudos feitos na Província Borborema. Fuck é o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Estudos Tectônicos, que desde o fim de 2009 reúne grupos de diversas instituições do Brasil, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Universidade Federal do Ceará (UFC), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Observatório Nacional, do Rio de Janeiro. Com investimento de R$ 2,6 milhões, os pesquisadores produziram cerca de 30 artigos científicos nos últimos dois anos. Os esforços começam a preencher uma lacuna importante na pesquisa geológica do território brasileiro. "Temos hoje um conhecimento geológico razoável do Brasil em termos de superfície", explica Fuck. "Mas isso não basta para entender como a crosta se formou e evoluiu. Aí é que entra a geofísica, com uma série de métodos para analisar composição de rochas, anomalias gravimétricas, magnetismo das rochas em profundidade e assim por diante."

Essas pesquisas começaram a evoluir na década de 1990, quando Jesus Berrocal, então pesquisador na USP, hoje aposentado, obteve apoio da FAPESP para um projeto de geofísica no Centro-Oeste. Em parceria com Fuck e o pessoal da UnB, Berrocal conduziu pela primeira vez no país um levantamento de refração sísmica, técnica que permite determinar a espessura da crosta terrestre e a transição entre ela e o manto, a camada logo abaixo. Ainda assim o esforço era tímido. Mas os resultados ensejaram a conquista de recursos maiores quando o Ministério da Ciência e Tecnologia instituiu os chamados Institutos do Milênio, na virada do século XX para o XXI. Esse, por sua vez, foi o germe para o atual INCT, que produz agora os resultados mais completos já obtidos sobre qualquer região da crosta brasileira.

A técnica usada para medir a espessura da crosta foi a mesma aplicada anos antes no Centro-Oeste e consiste em gerar explosões próximo à superfície e verificar como se dá a propagação das ondas de choque no interior da Terra. Quando as ondas passam de um meio a outro, elas são parcialmente refletidas e parcialmente refratadas (mudam de velocidade). E como as regiões internas do planeta têm densidades e consistências diferentes, é possível, medindo a velocidade de propagação das ondas ao longo do tempo, estimar onde fica a fronteira entre a crosta, que é sólida, e o manto, que é mais denso.

Fonte: Agência Fapesp

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